26.12.07

o sentimento de não saber parar

deixo a cama correndo e vou para o banheiro. lá, o que sempre acontece quando algo de ruim acontece dentro do corpo bem dentro que só percebo de fora. saio e procuro o lugar certo, tento encontrá-lo em meio a tanta desordem que me povoa e fico tateando todas as coisas perguntando: onde está, onde está?
no dia de hoje, a manhã já se instalou. no dia de ontem, a manhã já foi. amanhã não haverá manhãs possíveis pois todas as duas manhãs já foram. o que talvez reste de hoje, o que talvez reste de mim hoje é coisa que não sei. o estomago neste momento fala mais alto e corro para o banheiro para deixar vazar tudo que não sei mas que em mim não quer mais ficar.
afinal é isso que ocorre: quando se está em uma praia, olhando fixamente para o sol, eis que surge o homem de sempre que nunca mais havia aparecido. o homem de sempre então aparece em todo o seu encanto de desesperado, pleno de ironia irreconhecida, eis que assim se deixa surgir, assim aparece e diz a mim: manu.
eis que no eis, eis que surge, eis que no surge, eis que assim ele me oferece uma pequena dose de sua pílula recém adquirida e eu, por que haveria de recusar?
onde eu estava naquele momento é precisamente onde não estou agora. o fato é que colhi liquidos marrons que não soube gerenciar. deveria ter imaginado que seria preciso elaborar um plano de gestão, um planejamento amplo e estratégico que possibilitasse a mim, leia-se razão corporal, administrar os acontecimentos que rebolam ao meu redor.
o tal liquido precisa sair e disso eu não me lembrei. era preciso produzir um canal de fluxo vital-racional, um canal concreto, fazer do meu corpo-canal, deixa-lo aberto e sem maiores obstáculos, eu seria apenas isso, um meio de se deixar ser meio.
mas agora penso que o que devo fazer agora é simular um incêndio.
as fumaças que irão me ocupar farão sentido se expulsarem todo o meu líquido. penso então em fazer-me algo como puro vapor. mas para isso seria preciso dormir.
para dormir, seria necessário que a cama estivesse horizontalmente equilibrada mas verticalmente posicionada. dali eu começaria boiando. boiava, boiava até o momento crucial onde toda a caçada profunda começaria. seria necessário deixar de respirar. ou melhor, realizar uma economia do ar. para isso, ele, meu corpo, deveria obedecer aos anseios de mim.
só que dormir aconteceu pouco. a manhã de novo e dormir apareceu como lampada acesa que queima assim. se por acaso eu tropeçar em alguém e ele me perguntar se não dormi, respondo que sim, dormi sim mas dormi pouco. e não estou pronto pra outra. estou na mesma. estou ainda nele, no de sempre que as vezes sai sem eu querer mas que as vezes tomo sem saber porquê, porque as vezes o bom é justamente não saber o que se deve fazer para colocar em prática um concentrado modo de vida em que tudo se dirija ao dormir situado entre manhãs consecutivas que não devem conversar posto que duas manhãs juntas criam o sentimento de não saber parar.

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