31.7.08

se eu pedir uma pausa, por favor, considere.
será por um motivo óbvio, aquele motivo pelo qual meus olhos se fecham,
aqueles motivos pelos quais meu corpo descansa
ou então o breve momento em que eu me acho perdido, em que olho para ti com um ar compreensivo
e, na realidade,
na breve das realidades
nada mais é do que o suspiro da dúvida
mascarado de compreensão,
uma brisa de questão envergonhada que não diz a que vem,
mas que está, permanece e se representa a si como pura confirmação.
assim, torno-me seu espelho.
fale, dialogue comigo, que serei sempre a sua mais imediata afirmação:
diga lá, digo eu, sim é você.
esqueço-me, porém, do 'e eu?', 'e eu?'.
e assim, nos tornamos eu:
e, neste momento, ao fundo a trilha dramática do encontro, da tranformação em um de algo que era dois: ou da supressão do um do choque dos dois.
posso ser você hoje ou amanhã. posso ser você.
quando confirmo você, visto o meu melhor figurino, é isso.
quando estou com você, estou representando o meu mais belo teatro.
o teatro de mim é dialogar com(o) você.
quando tocar o terceiro sinal, por favor, não me avise, estou surdo até quando não puder mais. não posso com isso e não quero me encontrar naquele pequeno espaço delimitado, foco de visão para onde todos os olhos podem e devem assistir-julgar.
no terceiro sinal eu não estarei lá, porque não consigo, não tenho esta maldita coragem. não me julgo ator, não porque não atue, simplesmente porque não tenho o brilho, a decisão, o movimento, o olhar para o horizonte, o olhar penetrante, o olhar que vê, atravessador, do ator, não consigo ser, por não suportar, por não possuir o ímpeto ou a cara-de-pau de simplesmente encarar.
quando tocar o terceiro sinal, para mim, será sempre o fim.
quando tocar o terceiro sinal, será isso: não toque em mim.

27.7.08

para fazer poesia é preciso gostar dela.
e eu nunca suportei poesia.
na minha adolescência nunca li poesia
gregório de matos joão cabral de melo neto
baudelaire irmãos campos
navilouca nada disso
pelo contrário, nem sabia que existia.
não sou poeta porque não gosto deste troço.
não faço parte desse mundo,
dessa arte.
meu curriculum não comporta.
minha formação
não passa por aí.
não tenho maneira, modo ou tipo de poesia a la meu.
não sou poeta
não sou modo
não sou maneira
não sou meu.

3.7.08

Filipeque, de Clara Meirelles:


Você arrasta o sofá com esforço, apenas para dar uma leve varrida, e topa com uma nota de cinqüenta reais há muito perdida. Filipeque. Abre a gaveta desordenada, procurando um documento bastante necessário, e esbarra com uma foto quase esquecida daquela pessoa mais que querida. Filipeque. Pega um livro emprestado, puído de mau-humor, e entre as páginas 21 e 22 se depara com um bilhete de amor que poderia ter sido seu. Filipeque.

Filipeque é o nome que se dá às pequenas felicidades encontradas por acaso. Eu sabia que isso existia (ô), apenas o nome desconhecia. Aprendi ontem e na verdade já esqueci. A palavra não é essa, é outra, não me recordo de jeito nenhum. E isso pouco importa, porque, filipeque, arrumei uma nova.
quando, em um dia de chuva à noite, interromperam o meu caminhar em copacabana e me perguntaram o motivo de eu ainda estar vinculado ao escritório eu não soube responder.
tudo lá me faz mal.
todos os dias em que eu vejo o chefe eu engulo seco.
ele não desce. e eu não desço.
a gente se atura.
o pior é que lá no escritório há uma espécie de duplo meu...
um outro igual a mim. sabe, desse tipinho que é o meu tipinho? pois é.
esse tal outro, que possui a mesma função que eu, ocupamos o mesmo cargo, nos formamos nas mesmas coisas, enfim, trata-se de um duplo bem igual, esse tal outro é o preferido do chefe.
entendeu, já?
compreendeu como são os dias lá no escritório?
É assim:
Se o Outro saiu e o chefe chamou, tudo bem, o chefe espera o Outro voltar.
Quando eu saio e o chefe me chama, ele grita, ele berra o meu nome e todo o escritório ouve. Quando eu chego, lá está a cena preparada. O chefe me utiliza como exemplo para todos. Ele me chama a atenção diante de todos.
Isso é costume diário.
Isso é para tudo. Este tipinho de comportamento em tudo. Não digo em tudo, pelo menos tudo que se refere a mim. Ele não gosta de mim.
Por outro lado, eu não o suporto. Acho que ele não me trata bem, mas só o Outro, porque ele sabe, ele percebe que eu não gosto dele, que eu descredibilizo ele, só de olhar, ele sabe que ele não desce. ele não quer deixar barato.
o resultado de tudo, ou a moral do jogo, é que eu me saio bem nessa.
eu tenho menos idade. eu sou jovem. sacam meu comportamento? sacam como sou? Então, ele não é nada disso. Ele é mais velho e, digo mais, disperdiçou a sua juventude, não a aproveitou, quero dizer, aproveitou de modo nada inteligente, quero dizer viveu sem conviver com a sua própria inteligência, acho que foi isso.
Em mais um lado, eu não acredito que haja um ser humano burro. por isso, não o trato como tal. mas espero pouco dele. de modo que eles às vezes até me surpreende. mas não é frequente.
obviamente que me escondo por trás da juventude.
obviamente que me pergunto porque pessoas como o meu chefe são chefes de alguém. mas ele não é mau.
outra obviedade: quais são as pessoas que eu considero más?
vejam que desloquei a questão: não é mais a 'inteligência' de uma pessoa, mas o 'caráter' dela. Eu considero ele mau. Eu devo falar isso.
Não sei o porquê.
Ele é mau.
Ele sabe o que faz, ele dissimula.
Ele se veste de sorriso.
Ele galanteia pavoneia faz romance a toda hora.
Ele quer se dar bem.
Ele é velho.
Ele quer tapeçarias turcas, porcelanas, sedas, mármores, erudição, ele quer comprar isto tudo no mercado da vida.

e, por fim, chego onde queria chegar, apesar de tantos tropeços no caminhar.

a vida, um mercado.

1.7.08

no momento de atuar você deve esquecer de tudo.
no momento de atuar lembre-se apenas de uma única situação.
no momento de atuar respire o momento.
no momento de atuar ligue a câmera.
no momento de atuar enquadre.
no momento de atuar entoe.
no momento de atuar projete.

no momento de atuar o momento deve atuar.
no momento de atuar perceba o momento.
no momento de atuar separe-se de tudo.

no momento de atuar
desloque-se
consagre-se
encontre-se

no momento de atuar interrompa todos os outros momentos secundários, periféricos.
torne-se núcleo, torne-se fonte, torne-se centro.

mas lembre-se: o momento acaba.
e com ele surge a consciência que se deve atuar para que surja o fim em que tudo acabe.