24.2.08

myrian

era segunda-feira à noite e myrian não sabia o que queria, sabia apenas de tudo que ela já estava cheia. o que excedia em myrian naquela noite de segunda-feira era alcool, misturas de vodka com suco de laranja, suco de limão, chá-mate e tudo o mais. Isso ela sabia, ao menos, ela sentia, ou melhor, disso ela não sabia, o que estava claro para ela é que nada estava certo, tudo cambaleava, o mundo era como deveria ser: quando ela, myrian nada entendia, mas não ligava, bebia, bebia, certamente tudo via, tudo participava, falava sobre tudo e com todos, mas myrian não estava, myrian, em corpo presente, dançava sobre si.
a justificativa para a bebida não é outra senão aquela de sempre: precisava ter certeza de alguma coisa. e, naqueles momentos noturnos, myrian tinha plena certeza que bebia, pois seu corpo indicava, a cada gole, que a mente vociferava sensações que a própria mente desconhecia. isto é, myrian bebia e, a partir de certo momento, se ampliava. bebia para não ter motivos. bebia para não ter justificativas. bebia porque quando bebia, sorrisos, lágrimas, desprezos, ironias, tudo lhe atravessava de modo tão radical que tinha plena certeza que todos os impulsos não provinham de si, nem de nada, nem de ninguém. e era isso que myrian fazia: bebia para ver o seu circo pegar fogo. prezava uma única consequência: não saber de si. as outras, anulava todas.
nesta noite myrian está toda borrada. nesta noite myrian chora e sorri, sem saber os motivos de um gesto e de outro e da passagem de um a outro. nesta noite myrian não sabe que é myrian. myrian, com o copo na mão, esqueceu de si. myrian é alguém que cruza com a noite. perdida entre todos os vultos e lugares vazios que a cercam, myrian interrompe um espectro e lhe diz: eu só quero me divertir. myrian borrada chora. preciso esquecer desta noite. preciso ter algum lugar para ir. por favor, me guia, por favor me leva para onde você está indo. mas myrian não sabe que vive em vídeo. o interlocutor some num giro da camera e myrian está novamente sambando sobre si e sozinha. eis que ela decide se assumir: inicia-se um tremendo samba-enredo e myrian só faz cair, desequílibrio pleno de dar inveja a todas as mulatas americanas. myrian dança sobre si sem conseguir saber se, de fato, está sambando ou é sambada. myrian borra ainda mais, pois sua água constituinte trata de fugir, quer sair dali rapidamente, água que se sente confinada e exige libertação-evaporação. ela então vai em direção ao balcão do bar mais próximo e obriga o garçom a lhe conceder mais uma dose. o pagamento não foi o corpo, mas o olhar opaco que hipnotizou o moço. diante do desconhecido e irreconhecível, o garçom fez o que achava que devia: espantou o perigo. vai com este copo de vodka para lá, myrian! ela bebe tentando repor a água fugidia. e chora e berra e seu corpo decide se chocar, seu corpo bate em myrian, castigando aquela mulher por não ter peito o suficiente para carregá-lo sempre. o corpo de myrian exige que ela o carregue para sempre. só que myrian não quer. ela quis se livrar dele e por isso está nesta segunda a noite nesta situação. seu corpo não aceita suas atitudes e desfere nela um golpe mortal. desembainha uma longa espada medieval e rasga-lhe a bebedeira.
black out.
uma janela. myrian contempla a vista da janela. olha para a imensa floresta diante de si. respira fundo sob uma luz amarelada. é noite novamente. myrian está calma. até que começa a chover. e myrian alaga.

19.2.08

mini série de frases, primeiro capítulo

Onde foi que a gente errou? Como é que vim parar aqui? Eu sou comunista. Ou é uma grande cafajestada que você diz. A nossa vida profissional é um reflexo da nossa vida pessoal. Não gosto de discutir com você. Não tenho nada para fazer nesta festa. Eu não a deixei para trás. Você não tinha a menor chance. Parabéns querida. Porque você está sempre viajando? Ela está sendo sonegada da sua presença. Filhos crescem. Mas eu acredito em milagres. Foi trabalhar em publicidade. São os sonhos que levam a gente para frente. Quem você amou de verdade? Estou com uma saudade dilacerante de nós. Ela sabe muito bem o que aconteceu. Na farra também se fazem bons negócios. Eu não sei nem se vou ter trabalho quanto mais décimo terceiro. Qual é a graça de ir para Austrália sozinha? A sorte está lançada. Outro, tchau.

14.2.08

Quem sabe?

Ontem, domingo, Rodolfo veio almoçar e resolveu fazer as seguintes perguntas à Leila: o que você estava fazendo há exatamente um ano atrás? Você é capaz de se lembrar disso? Sabe o que fez? Diante daquela questão inusita, do teste de memória, Leila, um tanto quanto sem jeito, respondeu imediatamente: claro. estava feliz, pulando o último dia do meu carnaval. Carnaval? Perguntou ele. Carnaval não termina em uma quarta-feira? Sim, mas você se refere ao dia do mês ou ao dia da semana? Refiro-me ao dia do mês. Pois então, não pensei em nenhum dos dois dias, disse ela. Eu estava pensando no primeiro domingo depois da quarta-feira de cinzas, completou. Bem, então. O que você estava fazendo neste mesmo dia do ano anterior? Está melhor assim? Bem, então, está. Lembro-me perfeitamente do dia: monobloco, copacabana. Mais de 150 mil pessoas juntas testando os limites dos corpos. Entre o som e o jogo, entre visões e disposições, os últimos momentos da única semana em que tudo gira. Como poderia me esquecer? Nunca. E você? Eu, disse ele, eu pulei o carnaval. Leila não entendeu e, por um momento, riu debochadamente. Rodolfo não entendeu e, por um momento, contraiu as sobracelhas. Leila compreendeu a sua incompreensão quando entendeu que Rodolfo não havia entendido a sua reação primeira de incompreensão. Ela então falou, Rodolfo, pular o carnaval, quem não pula? Rodolfo, por sua vez, entendeu somente agora a ambiguidade da sua frase e então retificou: eu não tive carnaval. Estava em retiro. Há um ano atrás, eu estava saindo do meu último dia de reclusão. Hoje sou filho do divino, me doei à ele; durante uma semana aprendi a só obedecer, passei a ser escravo do divino e, desde então, meu corpo está livre para o Seu bem querer. Leila: Lembro-me bem disso! Não podíamos nos tocar, não podíamos nos ver, apenas cruzar, ter apenas encontros indiretos... Rodolfo: É. É de família. Lembro-me de uma vez quando estava na casa da minha avó, mãe de meu pai, e estávamos eu, meu irmão e minha avó, já bem velhinha, em sua usual cadeira de balanço. De repente, vemos que ela dormiu, pois havia fechado os olhos. Seu corpo repousava calmo e leve. Em um dado instante, vóvó Carmem começa a balbuciar palavras estranhas utilizando o toma mais grave de sua voz. Seus olhos começaram a se mexer e nós, eu e meu irmão, não sabíamos o que fazer. Ou melhor: reconhecemos logo que vóvó estava fora da área de cobertura ou desligada temporariamente. Vóvó Carmem havia cedido seu corpo ao santo. Imediatamente ligamos para papai que nos aconselhou chamar Pai Miguel. Assim que desligamos o telefone, nos posicionamos ao redor da cadeira de balanços e nos pusemos a cantar a música de Pai Miguel. Eis que Vóvó acorda e não é mais vóvó, mas sim Pai Miguel. Depois daquele momento, ela foi o Pai Miguel. Sabe que minha irmã tem medo destas coisas, disse Leila. Uma vez fomos ao centro de meditação assistir a morte-nascimento do nosso irmão mais velho, o Chico, e, durante a cerimônia, minha irmã, que estava sentada ao meu lado, começa a suar frio e pede a mim que a retire imediatamente daquele lugar. Eu assim o fiz e, quando saímos, minha irmã, com a respiração ofegante ainda, me diz que havia, no interior daquele lugar, perdido o senso de unidade, que sentiu seu corpo se diluindo pelo espaço, como uma pedra de açucar na água. Ela tem pavor disso. Acho que ela não deveria sentir medo, medo não é a palavra certa para a relação que ela mantém para com a religião, observou Rodolfo. Concordo. Mas porque você disse que pulou o carnaval? Ora, porque eu estava recluso. Não, você não estava recluso, você estava tão-somente em um momento importante de passagem da sua vida, como haverão outros, não é certo? De certo modo, retrucou ele. Sim, corrigiu ele. Quem disse que o carnaval não é isso? Metáfora: a vida é como o carnaval? Não, não posso crer. Não escrevi isso. Estou escrevendo, disse Leila, que a relação que você mantém com o seu corpo é uma doação à alguém superior, ou pelo menos, a algum ser que habita outro plano de existência, certo? Sim, correto. Hoje sou escravo do divino. O carnaval para mim é sagrado: é o meu botox, minha cirurgia plástica, meu momento único de transformação: Durante aqueles únicos dias eu sinto-me coletiva, sou toda de todos, sou toda todos. Faço isso justamente para voltar, para ter segundas-feiras em que eu posso trabalhar para ter como viver: comprar comida, pagar contas, ter um carro, amigos e um pouco de lazer. uma vida normal, percebe? Como a nossa, percebe? Qual é a difereça entre nós dois aqui, neste momento, perguntou ela a ele. Qual é? Somos ambos seres em par de igualdade: mesma espécie, mesmos hábitos, mesmo contexto histórico, mesmo tudo. Menos a crença, disse ele. Menos a crença, disse ela. O que eu acredito que você é é diferente daquilo que você acredita que você é, por exemplo. É, é isso, concordou Rodolfo. Os meus dentes: depois que os consertei, virei outra pessoa. Ela: meus cabelos: depois que os cortei, virei outra pessoa. as unhas...a faculdade...a ginástica...a respiração...o cigarro...depois de tudo é que a gente vira outra pessoa. Sim, só depois. O Carnaval é isso não é? É poder acreditar que você pode ser quem você quiser? Uma Leila? Ou talvez um Rodolfo? Quem sabe os dois juntos? Quem sabe outro? Quem sabe Eu? Quem sabe?

19790917

Ontem, domingo, Olivier G. veio almoçar; para esperá-lo, recebê-lo, eu tivera os cuidados que em geral atestam que estou apaixonado. Mas, desde o almoço, sua timidez ou sua distância me intimidava; nenhuma euforia, longe disso. Pedi-lhe que ficasse ao meu lado na cama durante minha sesta; ele veio amavelmente, sentou-se na beirada, leu um livro com ilustr~ções; seu corpo estava muito longe, se eu estendia o braço para ele, não se mexia, fechado: nenhuma condescendência; de resto, logo foi para o outro cômodo. Um espécie de desespero me tomou, eu tinha vontade de chorar. Eu via claramente que tinha de renunciar aos rapazes, pois não havia desejo deles por mim, e que eu era ou muito escrupuloso ou muito desajeitado para impor o meu; que este era um fato incontornável, atestado por todas as minhas tentativas de flerte, que eu tinha uma vida triste, que eu, finalmente, me entediava, e que era preciso retirar esse interesse, ou essa esperança, de minha vida. (Se pego um a um meus amigos - afora aqueles que não são mais jovens -, a cada vez é um fracasso: A., R., J., -L., P., Saul T., Michel D. - R.L., muito rápido, B. M. e B.H., sem desejo etc.) Só me restarão os michês. (Mas o que eu faria então durante minhas saídas? Observo sem cessar os jovens, desejando de imediato estar apaixonado por ele. Qual será para mim o espetáculo do mundo?) - Toquei um pouco de piano para O., a seu pedido, sabendo desde então que tinha renunciado a ele, ele tinha seus belíssimos olhos, e seu rosto suave, suavizados por seus longos cabelos: um ser delicado mais inacessível e enigmático, ao mesmo tempo suave e distante. Depois o mandei embora, dizendo que tinha de trabalhar, sabendo que estava acabado, e que para além dele alguma coisa estava acabada: o amor de um rapaz. (R.Barthes.)

13.2.08

água entre nós

é uma tentação, ou uma ameaça.
quem sabe um leve assobio significante?
talvez eu consiga passar diante dele equilibrando água sobre um prato raso sem deixar cair nenhuma gota, sem que a água se movimente, sem que nada aconteça.
nada acontece. tudo acontece do jeito que acontece.
e que vontade de rasgar tudo de interferir nesta distância absurda que me toca e me faz ficar longe, lacrado, ensimesmado, refugiado, guetificado, destacado, diferenciado, que coisa é essa? será tudo dele ou será tudo meu?
A pergunta crucial é: como saber dele? como? há ele em algum lugar? ou tudo que sei dele nada mais é que fatos meus envelhecidos? Tudo que sei dele são noticiários semanais gravados há treze anos atrás quando Cid Moreira ainda era ancora do Jornal Nacional. Será isso? São notícias minhas que recebo com treze, quinze, trinta e dois, todos os anos de atraso? Ele na realidade é o pombo correio disso tudo. Não pode ser, esta justificativa já perdura demais. Eu sei que é isso, mas não é só isso. Foda-se isso que eu falo para mim. O que inquieta é a memória involuntária. quando, amanhã, eu lembrar que ontem dei as mãos para a morte, por exemplo, eu não lembro, ela vem, se faz presente e eu tão só nem assisto mas participo de todo o retorno da angustia.
ele não pode ser mera repetição de mim mesmo. eu não posso objetificar assim as pessoas. não. ele era para ser, mas ele próprio não quis. assim, agora sim, eu posso afirmar que ele é repetição. porque não quis. justo e objetivo.
devo enlouquecer e fazer da minha vida um inferno a ponto de infernizar a vida dele?
o pior de tudo é que eu não paro de esquecê-lo. nunca mais.
decido uma coisa: estou construindo um muro de água entre nós dois.
e a gente sabe onde se localiza a fonte. água para equilibrar, ou talvez para fazer tudo derramar.

11.2.08

no time for time

já sei que não irei me alongar por muito mais tempo. tenho plena consciência que devo encher o saco deste texto nas próximas linhas. creio que não é uma escolha minha. o fato de eu estar consciente de que nada mais quererei escrever não quer dizer necessariamente que eu simplesmente optei por não querer. é que sou assaltado por ímpetos fugazes e desconexos que não me permitem prosseguir através de um caminho por tempo demorado. em outras palavras, insisto em trocar de canal. mesmo que isso tudo aqui esteja interessante, mesmo que eu possa ver um futuro brilhante, talvez um conto para um concurso, talvez uma novela, talvez um magnífico romance, tudo isso me passa pela cabeça, mas não tenho fôlego. E isso é de nascença pois sempre tive asma, ou melhor, bronquite asmática. Sou daqueles que não conseguem correr por muito tempo e, para piorar tudo, durante um tempo fumei horrores. E ninguém pensa que asma é pura consciência. ok, vão comentar, há uma dose psicológica na asma, mas, eu irei observar, em qual atitude, sentimento, sensação, ação, reação, palavra, coisa ou asma que não possui uma dose psicológica? Sim, o viés psicanalítico de tudo isso já começa quando eu, ao decretar a minha incapacidade de correr por muito tempo, reconheço que fumo justamente para piorar toda a situação. Isso não seria mais um caso, frequente entre nós, de auto-sabotagem? Talvez não. Sabe porquê? Porque eu sinto falta de ar de verdade. E, nesses momentos, é incontrolável. Algo me toma. Como disse antes, sou assaltado pela coisa. Pelos impetos e pela asma. Fico sem ar de repente, sem ter muito o que escrever, sem ter muito para como e para onde correr. Agora, por exemplo, já disse tudo? Já não realizei as comparações que queria, que deveria fazer? Tudo já não foi feito? Sim, posso responder e ainda querer repetir tudo que disse. Ou seja, eu a partir de agora vou dizer o que eu já disse. Com certeza, por falta de assunto. Mas posso utilizar uma justificativa melhor. E a justificativa melhor é que, na repetição, tudo se justificará melhor. Ou seja, farei-me entender melhor. Bem, então, como eu estava dizendo, a minha vontade de escrever é breve. é uma vontade que dá e passa rapidamente. Mas ela não some, ela está sempre presente, mas confesso que tenho preguiça para uma coisa: reler. Não gosto de reler, posso até repetir o que já disse, mas não me peça para reler o que eu escrevi. Ou então, pior do que reler, é rebuscar o escrito. Torná-lo belo, perfeito para a apreciação alheia, torná-lo digno de aplausos. Olha, eu não tenho nada contra com quem faz esse tipo de coisas, até mesmo porque acredito que quem faz esse tipo de coisa não faz por que quer, mas sim porque é o único modo em que o cara encontrou para extravasar, expressar, tá me entendendo, colocar pra fora? As coisas são mais simples quando se utiliza a linguagem oral. É neste sentido. Não consigo falar por muito tempo sobre um único assunto, não consigo olhar muito tempo para uma só pessoa, não consigo ser feliz por muito tempo, não consigo chorar por muito tempo, não consigo realizar nada a longuíssimos prazos. meus planejamentos são sempre bem curtos, aqueles que geralmente não dão certo. pois precisam de mais tempo de maturação. irão falar: superficial. irei responder: plano e não pleno. e é isso. gente, porque se eu não nadar, ou andar, eu vou pra onde? para o fundo do poço? para os confins do universo? talvez sim. talvez seja lá onde minha respiração encontre repouso. isso eu não tinha falado na primeira vez. só disse agora. e chegou.

10.2.08

ensaio para a perda da identidade

converse muito: não pare de falar e, principalmente, acate sempre as opiniões alheias. pergunte sempre para sempre te darem respostas. não pense demasiadamente, peça ajuda, inicie uma reflexão mas não a termine, deixe que o outro conclua.
telefone: ao longo do dia, repita o mesmo gesto. pegue seu telefone celular, olhe a agenda eletrônica, escolha um nome e ligue. fale com ela: pergunte como está, diga que está com saudade, pergunte qual é a boa, deixe que ela, a pessoa, fale qual é a boa, siga sempre a boa, telefone para, de um lado jamais permanecer só, de outro, para prosseguir na conversa.
nunca fique só: estar sozinho é um perigo. evite ao máximo. deseje estar sempre com pessoas ao redor, a não ser quando você estiver dormindo.
beba alcool: nada de apenas um gole. para se entregar a tudo, mergulhe em vários copos. misture bebidas. e mais: beba rápido. beba depressa, só assim você irá atingir o estado de equilíbrio.
fume maconha: como a bebida, nada de apenas um dois. fume infinitos baseados, flutue sobre si mesmo, perca as referências e o senso de direção.
não se aproxime de nenhum livro.
por último, seja sempre risonho e agradável. a simpatia é o segredo. seja sempre simpático.
pronto: aí está: você não é mais você. é só alguém que conversa, telefona, fuma, bebe e ri. quem não faz isso?
com a cabeça completamente nas mãos, eu acordei nada disposto para pensar as armas de fogo. armas de fogo. e encontrei isso, a meditação:

Quem acreditou
No amor, no sorriso, na flor
Entao sonhou, sonhou...
E perdeu a paz
O amor, o sorriso e a flor
Se transformam depressa demais

Quem, no coraçao
Abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder
E, na solidao
Procurou um caminho e seguiu,
Já descrente de um dia feliz

Quem chorou, chorou
E tanto que seu pranto já secou
Quem depois voltou
Ao amor, ao sorriso e à flor
Então tudo encontrou
E a própria dor
Revelou o caminho do amor
E a tristeza acabou
é mentira. quando eu devo considerar tudo isso como mentira.
nada aconteceu. nunca nos vimos. nem nos cruzamos.
nossas vidas são totalmente díspares.
perdoe-me, meu amor, tropecei em você sem querer.
não estava escrito, não poderia prever.
sorry. esqueça.
so long. espero que aproveite tudo.
releve os percalços.
os percalços...
sorry, quero dizer...
meu amor, quero dizer, tudo isso te pertence, quero dizer, esqueça-me, quero proferir, pois lembrar de mim será o puro inferno: hoje caí de bicicleta no meio da rua, de madrugada e um estranho me ajudou. me beijou depois. não haveria como, puddle. esqueça. isso acontece só comigo e você não é o autor. pelo contrário, sou seu autor preferido. um beijo na distância, fique com os prazos. do todo seu, vc sabe, maldito seja vc, pierrônio grego de cumuruxatiba.

8.2.08

se ninguém tem dó, ninguém entende nada: o grande escândalo sou eu aqui só.

estou procurando identificar aqui o que justamente me impele a isso. é isso. o que me permite escrever. porque ouço uma música que não diz mais nada a não ser um escândalo? chego em casa fervendo, com o corpo chamuscando de tanta expectativa frustrada. ou melhor, de tanto olhar a doar sem no entanto encontrar o ponto, o fim, o motivo da doação. o procedimento é este: beber até sarar. e sarar corresponde justamente ao encontrar. e quando encontrar nada mais é do que dormir, do que não encontrar, justamente tudo, justamente, de uma forma justa, pela justa justiça de deus e de todas as coisas que se inserem socialmente em nosso vínculo social, justamente, justamente, justamente justa justamente é que eu justamente sou impelido a ir embora, ir ao sono, ir ao sonho, chegar em casa para mais nada a ver.
e isso é: nada de movimento. nada de carros passando. nada de luzes ao vento. nada de linguagens cruzando. neste momento só ouço. ouço música. ouço motores de carro. mas não ouço o que desejo ouvir. obviamente. não se pode ter tudo. alguém, em alguma novela disse isso, mas não me recordo em que ocasião. considerar este quase-proverbio é considerar que tenho algo. de fato, posso vir a ter algo. de fato, posso achar que nada tenho e ter um bando de coisa. de fato, não morro de fome, não como terra, mas sofro de outras faltas talvez mais crueis do que a falta do que comer. pois tenho o que comer, tenho para quem ser o que comer, tenho quem me dê o que comer, mas tenho ninguém, tenho o que não quero comer e não tenho o que eu quero comer. mais do que passar fome é sentir fome por algo que não se pode comer. mais do que passar fome é sentir que se sente outros afetos e necessidades que não passam, nem de longe pela mais necessária necessidade. sim, digo aqui, estou com fome de você. e tenho isso claro. e não crio isso pela mente. de modo quase anômalo, sou criado nisso, fui posto, não sei se me copio, se retorno a outros momentos, se finjo situações e acontecimentos. o que sei é que identifico tudo isso aqui com um momento: a troca, o escambo.
é agora que devo confessar minha tradição indígena. é agora que devo dizer que me satisfaço com um mero espelho trazido pelo povo europeu. vivo em uma praia deserta e alienada quando, por fim, vem a tecnologia e me mostra a mim como nunca poderia antes ter visto. sou eu mesmo, digo, querendo quem me mostra assim. eu sou eu se você me traz o espelho. confesso minha dependência. meu amor, venha até aqui e seja assim do jeito que você é, se trazes um espelho, trago meu corpo. trocamos desse modo, corpo com o espelho e você me devolve prazer e identidade enquanto lhe dou tudo que fui e tudo que deverei ser. um peri, uma marmita de peixe com arroz de brócolis, um sorriso sarcástico em pleno carnaval, um nada que te perturba e faz história para todo sempre. nada tenho a dizer, assim, de modo tão historicista a não ser que a história está sobre, diante e através do meu corpo. sou índio pelado pintado de origem. e você é exterior predestinado a descobrir o mundo e, sobretudo, nomeá-lo. que nome devo levar eu? que nome mereço?
vamos aos fatos: sem parar de pensar um minuto sequer em nada que não seja na invasão, prevejo tudo além. sou, deste modo, uma espécie de tirésias, uma cassandra que vê, não o destino de todos, mas o próprio destino. ou melhor, sou cassandra que sente o próprio desenrolar sem entender conscientemente como o desfecho se dará. sou cassandra que enxerga outro contexto sobreposto a esse em que se vive, em que se troca, em que se fala, sem, no entanto, saber ao certo identificar em que isto tudo irá desembocar. sei que tudo se transformará. mas não sei ao certo o que se constituirá por fim. será o fim? será nada mais do que nada? tchau e lágrimas?
o fim disso tudo é este: não sei o fim. sei que nunca saberei o fim. se pudesse viver em uma situação totalmente dramática, intersubjetiva, estaria diante de você afirmando que, mesmo sem saber como a ficção se concluirá, estarei, eu mesmo, a despeito de tudo que se viverá, entregue aos braços do ser, o perfeito interlocutor, que me conduzirá. não para nada. nem para o fim. apenas para o momento em que este ser será tudo que eu desejo que se deseja de mim.
e percebo agora o que se operou em mim. descubro e identifico a chave: ele foi ele que conseguiu objetivar a minha subjetividade, objetivismo que foi filtrado pela sua linda subjetividade objetivada que simplesmente mobilizou toda a minha subjetividade. isto é, escambo verbal. ou seja, troca visual. para todo sempre. o que significa nunca mais. é isso que eu gostaria de sempre identificar. é isso que nunca mais poderei reconhecer. é por isso que soam as batidas lacrimosas. é diante disso que surgem os labirintos da sensação.
não posso dizer mais: se algo mais escrevo, detonarei toda a redundância, já presente em cada palavra. tudo está claro. só resta o escândalo. qual dos dois será capaz disso? de reclamar a solidão ao mesmo tempo em que se confirma a dualidade, a ambiguidade, a contradição de se viver só e a dois, solitário e comigo, sempre e sem dó? sempre só?


7.2.08

não qualquer nome próprio: somente um que impele a isso.

agora começo então, a partir do nome próprio colocado acima, a unir partes de conversas, falas e piadas, combino tudo tendo por elo a minha justa e imparcial impressão sensória e, por fim, dá nisso.
dá no que dá.
e depois ainda me pedem para explicar. ou melhor, faz-se uma corrente de disses-quem-disses que tentam desvendar o sentido oculto de algo que simplesmente brinca com o sentido.
não, vou dizer. não é para isso. pelo amor de deus, não.
qualquer coisa, tudo bem: não gostou, não precisa fazer nada a não ser:
vá com o mouse ali no canto direito da sua tela. Não tem um X? Clique sobre ele. A mágica irá acontecer. Isso daqui some e você nunca mais vai ver nada. Vai ser cego porque não quer ver.
Muitos risos: o nome próprio. Que nome próprio?
Era uma vez um nome próprio que gostava de ser único, só que este nome tomou forma de algo bizarro, algo como um monstro e o próprio nome, diante de si, nome próprio, gritava a todos, desesperado: Onde foi que eu errei? Onde foi que eu errei?

Ps.: ESPERO QUE TENHA EXPLICADO TUDO BEM DIREITINHO. QUE TODOS TENHAM COMPREENDIDO TUDO DETALHADAMENTE, COMO DEVE SER. AFINAL, ISTO AQUI É MAIS UMA NOVELA DA VIDA REAL. SÓ QUE AQUI NÃO VENDEMOS TORTAS DE SENTIDO. ELE ESTÁ SEMPRE EMBRULHADINHO, POR ENTRE AS MASSAS FOLHADAS, ALGO COMO UM CROISSANT.

nome próprio - croissant?

o queixo de rosangela.

eu precisaria ainda de mais aproximadamente novecentos dias para tentar consertar tudo. assim, eu conseguiria estar dentro dos prazos e corresponderia aos pedidos e demandas de todas as vozes que de diversos modos habitam o meu telefone celular.
o nome dela hoje será: rosangela.
acorda, faz chá e dorme. acorda, faz molho de tomate e dorme.
acorda, mexe no queixo. seu queixo.
quando rosangela era uma pequena menina, todos admiravam o seu queixo. a garota até que gostava de ter todos os olhares centrados para o seu rosto, mas, do mesmo modo como gostava, se irritava de os olhares não cruzarem o seu. todos eram para o queixo, nenhum para seus olhos. a coisa toda piorava quando rosangela pensava que nunca poderia ver o seu queixo do modo como as pessoas o viam. ela poderia contemplá-lo parcialmente diante do espelho, mas era pouco. não conseguia vê-lo direito: na medida em que levantava o queixo para ver melhor, seu campo de visão tornava-se menor. este era o dilema.
só que rosangela não vivia em outros tempos mas no agora. e era de uma família de posses. rosangela então decidiu se atualizar, comprando uma imensa aparelhagem midiática: uma camera acoplada a um belo computador, equipamento que lhe permitiria ver seu queixo por inteiro, ver como todos os outros o viam.
Marcou o dia: produziu tudo. Quis fazer como se fosse verdade. Instalou um tripé na altura do queixo, a uma distancia média de modo que pudesse cruzar pela camera. rosangela então dispos-se a andar diante da camera, de um lado para o outro. fez isso até cansar.
o próximo passo seria o de acoplar a camera ao computador. não quis se ver em tela pequena. de modo que ainda comprou um bom projetor. e projetou-se. rosangela, em seu próprio quarto, diante da projeção de si mesma, via passar seu queixo de modos variados e ritmos diferenciados. rosangela sorriu. percebeu que seu queixo era realmente um dom. Dali em diante, rosangela passou a ver a sua projeção diariamente. e não muito tempo depois notou algo estranho na sua parte corporal perfeita. notou um pêlo que nascia bem no meio da curva perfeita de seu queixo. rosangela desesperou-se. chorou copiosamente por dias, sem saber o que fazer. o desespero de rosangela, no entanto, só fez tudo piorar. enquanto preocupava-se com o seu próprio choro, nasceram mais pelos sobre o queixo. rosangela agora tinha uma pequena barbichinha. ela então não perdeu mais tempo. arrancou os pelos, um por um. no último fio, ela percebeu que não conseguia arrancar. puxou, puxou, puxou e nada.
desesperada, rosangela puxou com tanta força que seu queixo saiu em sua mão. seu sangue começou a jorrar por todo o quarto, tomando todos os móveis. o sangue de rosangela não parava e o quarto começou a alagar. rosangela então começou a chorar, aumentando ainda mais o volume de liquido. seu queixo estava em suas mãos e ela então tentou salvá-lo filmando-o pela última vez com sua camera. ao ligar o aparelho, aconteceu o pior. um choque elétrico fenomenal tomou conta de todo o lugar. o queixo transformou-se em empadinha e rosangela não mais viveu. história triste de rosangela que fica aqui como exemplo para os que ainda vão nascer.

6.2.08

eric

aquilo de que posso perfeitamente falar. do meu suicídio. do meu último. com a tesoura na mão esquerda, tratei de posicionar meu corpo como se fosse vomitar perante a privada. por falta de coragem, por não ser homem o suficiente, por não conseguir gozar de uma pretensa imortalidade, eu fui. matei-me aos cortes de cabelo, cortei todas as mechas em todas as direções, podei-me de tal modo que hoje não possuo mais nada além de cotocos, de raízes, de breves fios que apontam para um futuro, de algo que alguém vê e pensa no amanhã crescido. quis encher-me de futuro, de um talvez que afastaria todo o vazio do agora, do diante, do em frente, do perante, do assim, do agora, do já. cortei tudo. cortei já, perante, diante, e sem saber de nada. não vi o que eu estava cortando, não quis saber meu próprio procedimento, apaguei os meus olhos, destinei a eles apenas a surpresa do que será, como estarei eu cortado por mim, matando-me a mim, não sendo mais aquele traidor que traiu a mim no momento antes de cortar o meu próprio cabelo? dei com a tesoura na nuca, não fiz ferimento por não ser tão louco, tão arredio, mas cortei a nuca, fiz ela aparecer como nunca, como corte breve que aparece, fiz o cabelo sumir e, ao longo das tesouradas, apertava a descarga e pensava: só assim eu não pego piolho. tudo isso tem um motivo, tudo isso tem um nome. um nome de homem francês, um francês todo metido a francês, um francês que sempre diz que é francês, um francês que diz sempre que lembrará de mim sempre e eu sempre digo a este francês que tudo que ele diz é mentira. tudo isso é ele. é o eric que se chama é-rrrííí-que, que não sabe nada por não querer saber, por querer sempre estar em um estado flutuante, entre o sono e a realidade, um eric que não acorda e não dorme, um eric que vive ali, andando no limite sem no entanto viver no limite. eu disse a ele, meu povo. eu disse. eu disse que eu o odiava. o odiava por tudo que havia feito. ou melhor, por tudo que eric não havia feito, por tudo que ele havia negado, ou melhor por tudo que ele havia proporcionado apenas pelas palavras toscas. as palavras trocadas. moedas esdruxulas. moedas que valem menos que qualquer moeda que não vale nada e que poderiam valer algo se eu acreditasse que tudo aquilo provinha da fonte do amor. não acredito. ele é tão inocente a ponto de achar que o mundo é paz. eu digo que eu o odeio e cometo o suicídio para ver se ele enxerga como nós dois devemos nos portar. ele de nada entende do amor, apesar de falar em nome dele, dos dois, do amor e dele mesmo. o que ele não entende é justamente o português. ele não entende isso. ele só entende francês. ele nunca vai entender isso. ele nunca vai entender a minha nuca. e não sei se devo comemorar por isso. pois de fato ele é um idiota. idiota por ser um cínico. cínico por ser um sonso. sonso por ser simpático. simpático por ser ingênuo. ingênuo por ser lindo. lindo por ser grande. grande por ser desengonçado. desengonçado por ser ritmo. ritmo por ser erre. erre por ser francês. francês por ser erro. erro por ser eu. eu por ser ele. ele por ser eu. ele sabe de tudo. sabe de todo o amor do mundo. ele tem todo o amor do mundo. já eu não posso dizer o mesmo, já que o odeio para sempre. não gosto dele. não possuo o senso de humor dele. ele brinca comigo. e eu odeio isso. odeio quem faz isso. odeio quem me faz cortar o cabelo como quem vai vomitar. joguei fora tudo meu que não era dele. joguei na água tudo que erra em mim, deixando apenas tudo que erra dele em mim por causa dele. o que restou foi isso que se lê. o que restou foi justamente o resto dele. preciso catar-me em mechas. preciso recompor-me em cacos. preciso juntar-me para caber em uma pequena mala que ele levará sempre como um mero souvenir. sou isso. dele e sou eu. sou eu e dele, sempre isso. sou assim. sem cabelos. sem nada que me impeça, a não ser a paralisia dos próprios orgãos de quando estão contemplando o sorriso dele em pleno estádio de futebol vazio e cheio de sorriso dele, óbvio, que tudo é dele.
o que posso dizer, jesus? que jesus não é nada perto de é-rrrííí--que. é isso. é rí. é riso. é ri quieto. é ri perto. eric. nada como um final brega para um sentimento da madrugada que atravessa. eric.