30.6.08

naquilo que eu posso sem poder perder. resolvi arrumar todo o novo jogo em que eu jogaria e no qual eu não pudesse perder. obviamente tive que te excluir. retirei você do jogo. porque voce trapaceia, voce não sabe jogar. das duas uma: ou você não sabe jogar ou eu não sei jogar. e duvido muito que estejamos falando da segunda hipótese. duvido de você. não quero nunca mais poder pensar em jogar nada com você, você sempre estará de jogo ganho, de partida encerrada, de pontos ganhos e eu não sei ceder a vitória assim. concedo a vitória apenas sob pressão. e você não me pressiona. você de fato não existe e não haveria porque eu continuar jogando com você. sua ausência não joga, sua presença requisitada poderia, mas seu sumiço não. a partir de hoje, nada de você. sem empates, prorrogações, ataques, nem gols, nem knock outs. game over. a partir de hoje a partida será minha.


a sua partida realizo em mim: de agora em diante tudo em mim será partida.

22.6.08

Eu não quero ganhar
Eu quero chegar junto
Sem perder
Eu quero um a um
Com você
No fundo não vê
Que eu só quero dar prazer
Me ensina a fazer
Canção com você
Em dois
Corpo a corpo
Me perder
Ganhar
Você

Muito além do tempo regulamentar

Esse jogo não vai acabar
É bom de se jogar
Nós dois
Um a um
Nós dois
Um a um
Nós dois
um a um
Nós dois

21.6.08

altas rotações, você consegue sobreviver a isso? porque hoje, por exemplo, deparei-me com objetos invisíveis, ou seja, aquelas coisas que não vemos quando olhamos tudo, enfim toda a nossa visão, porque a gente não vê nada hoje em dia e a artista colocou pequenas movimentações circulares nos simples objetos não reparáveis e a circularidade é uma espécie de gestalt da artista que faz os objetos circularem ao redor de você, eles circulam e você olha, percebe e se pergunta se não foi algum fantasma, ou seja, há um contexto ilusório presente, mas denunciado no próprio título, os invisíveis, enfim, porque essa artista escolheu 'circular os objetos'?
a respeito de 'anna linneman': http://images.google.com/imgres?imgurl=http://mps.onne.com.br/2673e929d5389ef85c606051778c10c9.jpg&imgrefurl=http://onne.com.br/conteudo/2860/duas-mostras-inauguram-na-galeria-nara-roesler&h=297&w=446&sz=21&hl=pt-BR&start=6&um=1&tbnid=SrmXN6o99oSANM:&tbnh=85&tbnw=127&prev=/images%3Fq%3Danna%2Blinnemann%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26rls%3Dcom.microsoft:en-US%26sa%3DN
estou surfando em mares nunca antes navegados.
ninguém nunca pegou onda tão alta. eu sou o primeiro, bati o recorde.
hoje em dia é muito melhor bater o recorde. antigamente era muito difícil, as pessoas não reconheciam o nosso ofício. hoje a gente tem até um circuito, a gente pode sobreviver. antigamente a gente não podia. antigamente era uma resistência. hoje tá tudo como está.
surfar hoje é fácil.
o difícil hoje é saber o que eu vou fazer de tudo isso aqui...
Estou questionando...
o
que
é
isto
tudo
aqui
?
esqueci mais uma vez. não lembro. como era mesmo????
ai, meu deus, não posso esquecer assm...
algo que eu teria que falar aqui, eu só poderia falar aqui. como era?
tinha a ver com os meus gestos... agora consigo me lembrar de algo. lembro que estava pensando naquela resposta que eu daria para aquelas pessoas ex-amigas, aqueles entes que você notou que não estavam mais presentes na sua vida e somente quis concretizar isso, no dia-a-dia, na prática, meu deus, como consigar tornar as teclas tão visíveis? porque não há nada que evidencie somente as teclas. pense comigo: se pensarmos apenas nos dígitos, nas letras que compõem as palavras, estaremos vendo a mesma coisa,
veja agora cada letra.
veja o vê mais o e mais o jota mais o a.
veja o veja. consegue, ver? mais uma vez, vejas as letras do veja...
veja,
VEJA.
como a revista, saca?
hoje percebi que eu precisaria me tornar bailarino para tudo melhora.r.
bailarino
melhora.r.
Bai La Rin O
melhora.r.
Lucy Dah.

19.6.08

talvez hoje seja o dia em que realizei a compra mais cara de toda minha vida, travestida de desejo puro, de necessidade real, de vontade impassível que delega ao objeto comprado, o produto a ser consumido, uma função extremamente especial. será esta compra agora que faço que irá mudar, transformar a minha vida. talvez porque seja o meu primeiro crediário. a partir de hoje, eu não sou só, tenho uma conta para pagar mensalmente pelos próximos dez meses, as dez parcelas que pago para mudar a minha vida. havia algumas opções, foi difícil escolher, mas considero a minha compra, não apenas uma compra qualquer, mas como investimento. acredito estar investindo todas estas parcelas, todos esses meses em que irei destinar metade do que ganho para o tal objeto, estou investindo a minha vida toda, a curto prazo nisso. depois desta compra, sou obrigado a mudar. e, obviamente, mudarei. terei que pagar a conta.
de modo totalmente surpreendente, na decisão da compra, quis chorar e chamar a minha mãe. estava desolado, não sabia escolher, não sabia se poderia assumir tamanha responsabilidade, como comprometer-me pelos próximos dez meses, assim, deste modo? esta era a função, até hoje, o dia d, de minha mãe. minha mãe parcelava, não eu. minha mãe pagava, não eu. meu coração palpitava naquela loja de eletro-eletrônicos imensa que há na barra e ali dentro eu estava sozinho, ilhado, abandonado, sem nenhuma expectativa de encontrar o leito materno. Onde estava minha mãe para dizer para mim que tudo ficaria bem, que aquilo tudo era apenas uma compra, ou um próximo passo?
afaguei meus ânimos nos cigarros. fumei tanto, fumei, fumei e fumei. não sei, estive descontrolado por um tempo. acho que perdi até cinquenta por centro das estribeiras. não me compreendi por certo tempo. agora, volto a mim. e, quando percebo, lá está ele, o novo objeto. pergunto-me se já sou um novo homem. talvez tal indagação seja por demais imediata. talvez ainda não seja o momento. a primeira parcela ainda não foi debitada da conta. a ficha ainda não caiu. faço o seguinte: comentarei aqui, se houver comentários a serem feitos, os próximos eventos.
fiquemos agora com o grande motivo do nosso livro. achamos o tema. chupamos de um filme vencedor do oscar de melhor roteiro. escreverei este livro. meu livro já nasce premiado. meu livro se chamará `Oscar, a vida em B.H.`

18.6.08

que falta que o frio faz, que falta que o frio dá.
fumar cigarro agora é mais caloroso, fumar cigarro esquenta.
o café é coca-cola.
os músculos tensionam-se involuntariamente.

sobre o genius do objeto.
se é verdade que há em cada indivíduo um genius, uma espécie de vida, enquanto não nos pertence, um rosto que é e não é nosso, poderia indagar se tal fenômeno se apresenta no ser dos objetos.
'Os latinos chamavam Genius ao deus que todo homem é confiado sob tutela na hora do nascimento'
haveria o deus dos objetos? poderíamos ver os objetos, não como homens, mas como seres viventes que nascem, transformam-se e morrem? Se consideramos vida como um conjunto de processos e de transformações físico-químicos, talvez sim. pois o objeto se transforma a todo momento, também, como o homem. qual seria então a natureza do deus dos objetos? qual seria esta alteridade, este outro interno que é e não é o próprio rosto do objeto? Já que eles não reconhecem, como objetos, podemos nós reconhecê-los? O genius de cada um, o genius de cada objeto. Creio que não podemos se nem conseguimos reconhecer o nosso próprio genius, que é aquilo nosso sempre nos escapa. Se consideramos aqui que o genius seria uma espécie de inapreensibilidade de de nós mesmos, aquilo que é inapreensível no próprio objeto seria o seu respectivo genius, o genius do objeto.
E o que seria o inapreensível do objeto? Uma espécie de falta que há em todo objeto. talvez seja o caso dos objetos-fetiche. Aqueles objetos que temos concretamente nas mãos, porém algo não está ali, não se encontra materialmente entre os dedos. Um objeto que substitui algum outro objeto, coisa, homem. Um objeto que substitui a nós mesmos.
O genius do objeto seria então uma projeção da procura fracassada de apreender a nós mesmos, o que a gente conhece e o que a gente não conhece da gente. Uma espécie de refração. O genius do objeto é então um epelho d´agua.
O Genius do objeto é o espelho de Narciso.

13.6.08

acho que consegui esgotar todas as possibilidades de te ver. não foi ontem no show, não foi hoje na universidade, não foi no mês passado no carnaval, não será amanhã na Lagoa, acho que nunca mais será. De fato, não sei como isso tudo começou: como consegui pensar que algum dia eu o veria? Como imaginei que teria acesso a você? Pensando factualmente, foram dois momentos. Apenas. E lembro de algo que deve fazer todo o sentido agora. Lembro de estar andando na orla da praia, bem de manhã cedo, e de te ver sentado, longe, bem longe, tocando um violão para outras duas pessoas, embebido em uma conversa que não me participava, não me dizia respeito (talvez eu pairasse no ar?). Lembro de ter visto aquilo e, sem bem entender, subi em uma pedra bem alta para contemplar não só o mar, mas principalmente o ar. sei que o ar é longo, grande e volumoso. o ar, na realidade, é o meio que nos une e separa. pelo ar te vi, pelo ar te ouvi, pelo ar te amei, pelo ar te desejo, é pelo ar que te procuro e é a partir dele que acho que vou te encontrar. Só que ele é barreira. O ar é labirinto, fluo nele não ao seu encontro, mas de encontro a ele. Choco-me a ele e nem sei mais. Choco-me nele diariamente a cada respiração. O que é difícil de engolir é justamente o ar. Aquilo que entra, sem que eu perceba, e se interioriza. Aquela imagem, o ar, e você. Como me livrar de todos? Como matar todo esse ar que você me dá? Como tornar tudo vácuo?
Seu ar, meu destino.
Corresponde, a cada expiração sua, uma inspiração minha.
Você ouve minha máquina respiratória? A minha é dependente, para sempre. Mesmo que algo morra, mesmo que seu corpo definhe, ele irá para sempre em mim respirar. Serão os vestígios, aqueles fluidos e substâncias resultantes dos seus processos biológicos-alquímicos que irão durante todo o tempo ritmar as frequências, as batidas, as lufadas, as brisas e as pressões do meu am-ar.
Esgotar será, com isso, retornar ao início, à memória daquele primeiro ar. Esgotar será um vazio, o vácuo que deseja, que exige o ar. Esgotar é então a certeza do encontro, da respiração conjunta que, por puro excesso, irá nos matar.
Você é bomba. Aceite-me como força motriz do seu funcionamento.
E sou apêndice, funciono apenas em relação a você. Sou oração subordinada. Sou vácuo ordinário que procura sempre o seu soprar. Onde soprará? Amanhã talvez será.

8.6.08

não consigo entender a chave disso tudo: qual seria a relação entre o ganhar e o perder? ganha-se para perder? perde-se para ganhar? Como sobreviver a tantos ganhos-perdas? Como me comportar diante de tanta notícia boa e tanta notícia ruim? Seria tudo mera preocupação mimada? Como estar aberto a vida e deixar ela se esvair ao mesmo tempo? Como aceitar que um lado frutifica e o outro desvanece? Não é retórica, é dor plena. Hoje foi um dia incrível, em que lidei com pessoas que estavam valorizando a mim, a meu trabalho, meu afeto, minha vida. No finalzinho do dia, recebo a notícia de que minha vida (leia-se alguém que faz parte dela) perdeu metade da vida. Um lado movimenta, o outro não. E percebo que não é ela sou eu. Seus dois lados são meus. Como consigo levantar a mão direita e outra não? Porque ela não me obedece? Algum dia ela obedeceria? Algum dia ela obedeceu? Onde está a chave disto tudo?
Fui ao médico para resolver problemas, para consertar a saúde, para melhorar o desempenho de vida. Estava insatisfeito. Meu metabolismo acelerava mais que o necessário e, por vezes, era tomado por certos descontroles. Na quinta-feira, resolvi operar. Só que algo aconteceu. Não sei bem dizer, estava dormindo. Quando acordei, ainda meio dopado, percebia que não percebia um lado, uma parte, a outra parte. Poderia ter percebido apenas o presente e esquecido o passado. A outra parte não percebida poderia ser o passado acelerado. Mas não. Percebia o passado e ele agora assumia outro ritmo, um ritmo normal, de modo que agora o presente estava erroneamente cadenciado. Só que na sequência da vida (como ocorre no encadeamento das palavras) não se volta, não se pode voltar, o tempo não deixa e só então lembrei que já havia morrido antes por outrem. E agora morreria denovo. Morreria em parte. E não sei se daí nasce algo mais. Provavelmente sim. Mas não será uma flor no asfalto. Uma bromélia no alto, bem no alto de um tronco grosso, ríspido, atritoso, difícil de escalar. Uma flor, se ela for flor, talvez nascerá. O acesso será muito complicado. Não sei se estarei disposto a encontrá-la, talvez não pela dificuldade que há em meu corpo. Meu corpo, onde foi parar?
Não estou sentindo meu corpo. Não sinto algum lado de que não posso mais falar. Haverá algum retorno? Aguardo uma providência divina. Neste momento, passei a acreditar em milagres. Aquelas crenças que surgem com as lágrimas...

4.6.08

o grande dia, o dia do acontecimento espetacular: o roubo.
por volta de uma e meia da manhã peguei o ônibus cincooitoquatrocosmevelholeblon pela pinheiro pois estava saindo do baixo gávea para botafogo. subi no ônibus que estaria totalmente vazio se não estivessem presentes o motorista, a trocadora e um outro sujeito negro com a camisa do fluminense sentado no banco alto do lado esquerno, aquele banco-trono que fica na altura da porta de saída. sentei-me então exatamente entre o sujeito e a trocadora, nem um banco antes nem um banco depois, no meio. abri a janela, fechei a janela. com o som externo abafado, consegui ouvi melhor o que o sujeito cantava. o sujeito cantava raps, cujas palavras e expressões mencionadas incluiam fuzil, 'te abraça, te beija e depois te mata', ladrão, entre outras. o rap, por ser um discurso cantado, permite que quem cante, cante-fale. acredito que o sujeito estava cantando-falando só para mim. e o que ele falava não era bom: juntei todas aquelas partes de rap e concluí que seria roubado. então, fiquei completamente tenso e não ousei virar para trás. comecei então a pensar em sair do ônibus na altura da casa da minha mãe, já que tudo ali estava aberto e povoado. não fiz. dois pontos antes do meu, o homem então levantou-se e desceu. não fui roubado. enganei-me. respirei aliviado, gesto meu que a trocadora fotografou imediatamente, me olhando de um modo curioso. pensei comigo que estaria ficando muito paranóico ou preconceituoso que até a trocadora havia notado. desci então do ônibus e andei feliz pela rua. a rua também estaria vazia, se não houvesse dois jovens entrando em um fusca vermelho e um casal conversando diante de uma clínica de portão verde. pensei comigo, estou seguro. eis que me aproximo da esquina e vejo dois homens de rua, negros. o primeiro envolto em um grande lençol branco e o outro encolhido debaixo de uma camiseta longa preta, com uma mão colada ao corpo e a outra carregando um caixa de engraxate. este então atravessou a rua, para o meu lado da calçada, e fomos andando rumo ao encontro. enquanto o outro acompanhava o nosso ritmo na outra calçada, eu passei pelo pivete, ele então virou-se para mim, passando a acompanhar-me rente ao meu corpo os meus passos e disse repetidas vezes criando uma atmosfera completamente tensa e árida: não faz nada, me dá o aparelho. enquanto andava, abri a bolsa, retirei o 'aparelho' e lhe dei. estava na esquina de casa, a cinquenta metros da portaria.
o mais incrível, corri para cá. a primeira coisa que fiz foi lançar-me no blog, como um consolo, como uma orelha que me deseja escutar.
confesso ou relato? não sei bem ao certo. estou roubado, menos um aparelho na minha vida, mais dinheiro para gastar. a vida é assim, pura economia. um instante você é paga, no outro você ganha. roubei a mim mesmo, transformando tudo isso em massa de texto. fiz um rocambole. este texto tem recheio. recheio roubado.

3.6.08

jurei porque não consegui dizer nada melhor. disse sim à promessa, jamais contaria a ninguém aquilo que havia acontecido entre nós, entre eu e ele. jurei, sorri e o olhei fixamente. ele conseguiu ver em mim a expressão de sinceridade e, mais ainda, de abrigo. mas não podia guardar tudo aquilo só para mim. não gostaria nunca que a história dele ventasse aos quatro cantos, mas não gostaria que a minha história sufocasse em um ato inesperado de pretensa confiança. jurei sabendo que não deveria jurar. jurei consciente de que o juramento, como todo juramento, era falso e não procederia. e acreditava não estar cometendo nenhum ato de infidelidade, não estava sendo desleal àquele que me foi próximo once, não estava. como posso explicar? estava tentando enxergar o meu próprio corpo, após os momentos de (des)colamento ao corpo dele. estava tentando colocar em palavras o que eu havia experienciado tanto na proximidade quanto na distância, tanto no ato quanto na falta dele. talvez você entenda melhor desse modo: quando estava com ele, eu o via por inteiro, conseguia tatear as partes do todo que se apresentava diante de mim. quando essa situação se desfez, fiquei eu, tateando a mim. mas há partes minhas que não consigo tocar. por isso utilizo as palavras, elas talvez toquem naqueles fatos que são mais dificeis de confrontar. ou talvez elas sejam antibióticos. palavras são como antibióticos. através delas a dor passa. ao menos tenho conversas para (man)ter, fatos para contar e, no processo de narração daquilo que me ocorreu, de um lado trato de tentar iluminar as sombras; de outro trato de projetá-las todas para fora, passo adiante tudo, não só a experiência com ele, mas, principalmente, o sentimento por ele, o diante dele, e também tudo que fui para ele. jurei, portanto, para me purificar. não saberia viver só em um corpo acostumado ao viver junto de um ele que vive só. foi preciso molhar com palavras as partes íntimas tornadas, com isso, objetos do povo. melhor assim: quem inventou o amor e as palavras não foi eu. por isso, ´não preciso ter nenhum tipo de obrigação com os tais. por isso, passo adiante. sou como aeroporto, caixa 24 horas, shopping center ou cone-sushi. sou um abrigo, em puro trânsito.

2.6.08

Não saberia dizer o motivo que me fez acordar de mal com a vida e dormir após ter feito as pazes. Dormir bem. Não sei se são as horas do dia que passaram conforme elas fazem todos os dias, inclusive os não-santos. não sei se foram os encontros marcados, ou então aqueles improvisados, frutos do acaso, gerando atrações e repulsas, fazendo você caminhar como um imã no meio da multidão, algo que sempre se cola e se descola. não sei se foi o final do dia, que representa uma vitória, um fim. não sei se foi o começo do dia, em que traçei uma via crucis para as próximas vinte e quatro horas. não sei se foi o whisky. não sei nada. o que sei é isso: estou indo dormir bem e acordei mal. meu humor, apenas isso, nenhuma depressão profunda. meu humor inverteu-se neste pequeno dia. um fenômeno único. sinto agora que o eternizei. hoje foi para sempre.
na minha matéria, o grande atrito.
andando de madrugada ao som do alarme do carro ecoando em conjunto com uma sirene de ambulância. dois agudos que se encontravam nos meus ouvidos, enlouquecendo-me, levando-me a um estado de desconforto tamanho, tudo ali, bombas incitando meu cérebro a pensar em barbaridades, olhando para a fresta de um portão de aluminío calculando meu corpo ali, passando naquela pequena fresta caso algum tiroteio se inicie. ou então, o debaixo do carro, o debaixo do carro em que eu devo me esconder quando os ladrões chegarem. estou chegando quase na esquina e não sei o que me espera, nada sei, será que este som provém da grande tragédia, eu chegarei na encruzilhada e verei um grande transtorno, o perigo puro, a guerra diante de mim, será isso? passos e mais passos e nunca chega a esquina que está ali bem perto, quase agora, estou quase lá (devo prosseguir ou retornar?) a esquina, a esquina. a esquina. então surgem pela direita dois negros de laranja que cruzam o meu caminho, não me notam, eu passo por detrás deles, atravesso a rua e então noto um carro policial sem sirene, continuo o meu caminho olhando irrecusavelmente para frente e lá permaneço até que a viatura suma pelo asfalto. tudo emudece.
coloco então um rock adolescente da melancolia e venho confessar.
o pecado é esse. o pecado é a própria confissão. entenda. vim aqui porque tive pensamentos pecaminosos. tive desejo de tragédias. vivi por instantes a pura guerra. padre, isso é errado? Devo rezar mais? E a minha solidariedade? Onde foi parar?