28.8.07

a gente três

o que seria uma satisfação naqueles momentos? talvez fosse acreditar que a situação em que nos encontrávamos, matematicamente dois corpos, apenas dois humanos entre dois copos, fosse genuinamente nossa. algo como um momento do casal. fazer do olho uma câmera pensando que seria preciso registrar tudo como está acontecendo para lembrar para sempre que tudo registrado aconteceu. só a gente. estava só a gente e você me procurava a todo momento sem que eu nem mesmo pudesse te ajudar nessa difícil tarefa de me localizar. e o reverso era também verso. estavamos matando o tempo, brincando de exaustão, como aquele jogo em que uma pessoa permanece olhando para a outra sem piscar e ganha quem não piscar primeiro. a gente não piscava. não piscava e o olho ficando cada vez mais embaçado, a gente não se vendo, no intuito de tudo registrar, o puro intuito que impedia algum tipo de aproximação. os dois precisavam ganhar o jogo, era preciso ter uma boa noite de sono. e a cerveja agia como dosagens homeopáticas que, ao longo das lágrimas surgidas provenientes da falta de escuro nos olhos, incitavam o sono. e a gente lá. sem ter e sem saber o que fazer. como é que eu poderia e como é que você poderia agir? não marcamos nada, não combinamos, não havia nenhum tipo de planejamento pois para mim você estava morto (como vovó cujo retrato conservo no meu quarto, você nem isso) e seu corpo envelhecido diante de mim confirmava tudo isso. Para quê então insistir em uma aparente relação. Não havia nada. Eu saberia dizer seu nome completo, pois ele era antes do meu nas chamadas colegiais. Eu saberia lembrar de todos os seus irmãos, primos, de toda a sua família, poderia perguntar como anda cada um deles. Vivos? Poderia perguntar se algum dia você realizou o que você dizia que ia realizar, mas para quê se eu sabia que aquilo tudo não te dizia mais respeito, pois eu não te dizia mais respeito, eu não teria o direito de te dizer mais respeito, não saberia me reconhecer em algum gesto seu de aproximação e de conforto típico dos relacionamentos que perduram. Ora, eu digo. Você não acha que já te disse tudo. Ora, você diz. Você ainda não fez tudo. Será que em algum lugar dos nossos territórios (físicos ou corporais) você poderia esta sendo sensato?

27.8.07

a gente dois

eu sou apaixonado por você. alguém já te disse isso antes, desse jeito, nesta entonação? garanto que não. fique feliz. é a sua reação condicional. dê um sorriso amarelo, surpreenda-se e desvie o olhar. Gagueje e fale depois: isso é lindo. e depois: e então? e depois, mais riso. você quer mais alguma coisa de mim? eu não movo os olhos, continuo respirando, não movo as mãos, não movo os dentes, nada aparentemente acontece comigo. nada. dizer isso para você é simplesmente uma paralisia. não me pergunte se estou certo do que digo pois aí eu talvez reagisse da maneira como te obriguei a se portar. não pergunte nada pois não é o momento. beba a cerveja mais um pouco e justifique ali, no gole certeiro, toda essa loucura. pois é na cerveja que nós iremos nos encontrar, a cerveja é a nossa mediadora, por meio dela que talvez falemos as frases que sempre quisemos trocar e nunca tivemos coragem. a cerveja será o ponto de encontro de nós conosco dezessete anos atrás. só que, ao contrário dela, não estamos mais frescos, gelados, não descemos mais redondamente. tudo isso não passava de uma obrigação. e você sabe disso. você sabe que a frase que disse no início de conversa é só um início de conversa. é um oi. é uma estratégia, foi a forma que encontrei para retomar tudo. quero dizer, continuar a gente ou então, melhor, para fingir que ainda nos conhecemos. de que modo a gente é hoje? tempo nebuloso resolve aparecer e turvar tudo.

a gente

após dezessete anos de afastamento a vida decidiu nos unir novamente. e do modo mais sórdido: um devir-criança no cansaço dos nossos corpos envelhecidos. em outros tempos isso seria chamado de felicidade. agora, creio que estejamos estressados com a hiper-atividade das nossas emoções. muito cansaço por sentirmo-nos assim. e o fato foi esse mesmo: unimo-nos para que um suporte o outro: um apoio e um karma.
o momento foi marcado por pura imparcialidade. dizem por aí que é impossível ser imparcial e é pura mentira. encontrei com ele não fazendo a mínima questão de encontrá-lo. se estava feliz por revê-lo depois de tanto tempo responderia que não sei exatamente se aquele estado em que me encontrava era felicidade. e, sinceramente, não sei nem se era um estado. estava normal. estava como sempre. revê-lo não me apeteceu. revê-lo não foi nada. tenho certeza que foi assim com ele também. a coisa toda operou-se do mesmo modo.
oi. tudo bem. e aí. quanto tenpo. é, quanto tempo. tá esperando. não. tá indo. não. tá vindo. também não. o que está fazendo. nada e você. também nada. ali tem uma carroça de cerveja. o que você quer. vamos tomar cerveja.
retomar algo que parou há dezessete anos atrás. qual é o sentido disso? nos primeiros três segundos de conversa tudo já estava esclarecido. nenhum dos dois estava disposto a alterar em nada os comportamentos. a interlocução, se é que ela existia, permanecia a mesma. não havia alterações. o que eram então aqueles dezessete anos? o que era o tempo e a ausência? O que era re-ver alguém? rever ele significava naquele momento zapear a tevê em busca de um bom programa. rever ele era constatar que a tevê não funcionaria nunca mais, nunca apresentaria nenhum programa que preste, que ela irá desligar para sempre e sobre a tela, sobre a materialidade do televisor estarei eu, deitado no sofá, cansado, com os olhos de paisagem envelhecida, sem interesse e sem saco, querendo a paz de estar deitado desinteressadamente. ao fim, eu estaria zapeando a mim sem nada encontrar. eu estaria vendo o programa de mim mesmo, a novela do meu dia-a-dia, o encontro com ele, todas as cenas sem cortes e sem nenhuma movimentação. as cenas eram muitas mas nenhuma dava espaço a outra, nenhuma substituía a outra. não havia edição e não havia movimento. era uma televisão parada, estática, de frente ao sofá, de frente a mim sobre o sofá. que tecla seria preciso apertar agora?

17.8.07

ele é felipe.

queria te escrever uma carta ou um roteiro.
de um lado comentando os fatos
de outro os prevendo
de um lado falar das reações
de outro criar ações
de um lado rever cenas
de outro produzi-las
de um lado só existência
de outro pura estrutura
de um lado o que passou
de outro o que irá passar
e agora?
não sei ao certo.
talvez o desejo da aproximação seja ao mesmo tempo um entrave à própria.
é um desejo-parede.
é preciso destruí-la.
e eu espero fazer isso na primeira pessoa do plural: eu espero que façamos.
fica a questão do tempo: como eu não sou hamburguer (ainda) posso me dar ao luxo de pretender ser jantar francês ou japonês: pouco mas satisfatório.

'muito pra mim é tão pouco
e pouco é um pouco demais'.

16.8.07

cócegas

se é boicote ou sabotagem, provavelmente.
o problema é que corpo da gente manda na gente e a gente, gente que é, não sabe se obedece ou fica puto. na realidade, nem acho que seja corpo, acredito inclusive em uma paralisia do corpo, porque era tanta coisa, tanta informação, tanto o que pensar, tanto o que dizer e tanta coisa calada a falar. posso, na análise dos acontecimentos passados, apontar que talvez tenha sido as falas caladas que calaram o corpo. não que ele tenha fica mudo. ele não ficou. ele falou muito, mas não como deveria falar. a retórica do corpo foi um tanto quanto lida e percebida e nomeada facilmente. nomeada por ironia, facilitando toda a situação (cócegas).

o fato é que parece simples trepar com alguém desconhecido.
a coisa complica quando este desconhecido é para você mais do que um desconhecido, pois você quer fazer daquele ser (que você pouco (re)conhece) alguém próximo, alguém perto, alguém que tenha acesso a você, ou seja, alguém que possa ter a chave dos seus problemas.

só que ter a chave dos problemas é uma coisa. iniciar o relacionamento com problemas é outro. é incrível, mas parece que tornar-me vulnerável, frágil e aberto a um relacionamento é começar a discutir uma relação inexistente. é perseguir e procurar traumas, endeusando-os como os grandes definidores de mim. e isso é a pura mentira. não é assim que eu vivo.

como ultrapassar eu mesmo?
como tabelar os boicotes de mim para mim mesmo?
Borges diria: Borges e eu. E terminaria dizendo: não sei quem escreve esta página.

Não saber já é um bom caminho.

15.8.07

a voz da maconha

hoje eu ouvi a voz da maconha. ela era um tanto doce, um tanto amigável, um tanto risonha e um tanto distante. um tanto diz um tanto, a partir da distância daquele que observa uma paisagem cheia de passarinhos verdes (que contam histórias pelo telefone celular), árvores, duendes e outros bichos esquisitos que habitam o planeta que a voz da maconha reconhece.
o problema é que eu não reconheço o timbre, não sei exatamente o que aquele registro vocal quer dizer para mim. pois, além das palavras, havia uma voz doce e distante que eu jamais saberia em que lugar ela, a voz, estaria me colocando. senti-me o tal passarinho verde da paisagem.
ora a paisagem só é paisagem quando não estamos nela. um detalhe da composição paisagística, aquele que notamos com felicidade, alegria e, mais que tudo, distância.
essa voz, a da maconha, me fotografou. em um clique, ela me paralisou e disse: ai, que bonitinho! tocou na foto, mas não tocou em mim, apesar de eu ser aquele bichinho verde posado sobre a arvore, posando para a foto.
de tudo isso, tirei um comportamento meu que tenho de vez em quando.
de tudo isso, penso em um ataque de insegurança.
de tudo isso, quero, pretendo e planejo. é bom que se diga, sozinho.
de tudo isso, afirmo que voltar a me chocar com outro sujeito é simplesmente assustador e, quem sabe, reconfortante.

1.8.07

s-t-ops

alguém hoje me informou que é preciso PARAR com toda essa porcaria que eu produzo instantaneamente e sem previsão de sucesso. este aí me disse que eu sou talento nato que não se acha em qualquer esquina e que por isso eu deveria me preservar pois talento que é talento não nasce como capim. talento não é capim. e alguém disse assim mesmo, neste tom, disse: PARE JÁ. eu obedeci e falei de imediato, concordando com aquele juízo também nato, obedeci e concorder. e disse: PAREI. parei com tudo, parei com isso, parei com a vida. é preciso parar, não é. a gente tem que parar. Um stop. algo que fale e diga: Não, não existe movimento. Não, esse negócio de passo, de fluxo, isso tudo é mera formalidade virtual. não existe nada de muito orgânico. tupo pára. tudo só funciona porque pára. e assim eu també, deveria parar. parar com tudo. com o sexo, o cigarro, a cerveja, os estudos, os filmes, os amores, parar, entendeu bem. simplesmente não fazer mais. e desfiz.