31.12.09

(não consigo perceber como sou percebido, isso é um parênteses)
eu poderia dizer que sei lidar com as coisas.
só não sei afirmar como sei lidar comigo.
(como falar?)
tudo começa quando desejo escrever cenas.
passava pela rua e desejei criar esta cena:
negros dançando, às 17 horas, em um prédio recém-construído na rua voluntários da pátria, em botafogo. os negros (na realidade, era a maioria dos trabalhadores). na realidade, era uma pequena roda de samba, em que os pedreiros comemoravam sambando sobre o chão que todos haviam construído, mas que nunca haveriam de possuir. como todo negro. como todo todo. como todo como. eles faziam uma algazarra. cantavam para todos ouvir.
e eu, que estava passando na calçada. eu, o que eu estava fazendo? (eu juro que estava passeando na calçada, apenas passeando).
pois bem, passeava e primeiro ouvi.
depois percebi visualmente uma certa algazarra no canto direito do olho direito.
olhei e vi negros de costas, cantando e comemorando a liberdade.
a liberdade de poder pisar no chão que se constrói (nem que seja apenas no carnaval).
qual seria a liberdade do carnaval, por exemplo? se levamos em conta aquela história de que o carnaval é o momento (quase um fenômeno natural, como um tsunami) em que a ordem social é vertida (sub, in ou trans, ela é vertida), assumimos a liberdade como algo do outro, algo que se tem e que se assume apenas quando se é o outro?
a liberdade é o outro?
assim termina a minha cena. (final péssimo, rever. talvez termine com o batuque do samba e os corpos dos negros dançando. assim deixa brechas. do outro modo, desconfio que não.)
gostaria de iniciar este final de ano com um "e se":
e se fosse isso?
e se fosse aquela situação de perder o amigo mas não perder a piada?
e se a piada, neste caso, fosse uma frase de efeito?
e se a frase de efeito saísse de um ser humano moreno?
e se o moreno fosse jovem?
e se o jovem fosse envelhecido?
e se o envelhecido fosse o resultado de uma insônia?
e se a insônia fosse regada a shots de tequila?
e se a tequila fosse contrabandeada?
e se o contrabando fosse combinado?
e se a combinação fosse roubada?
e se o roubo fosse regulamentado?
e se o regulamento fosse ultrapassado?
e se a ultrapassagem fosse retardada?
e se o retardamento fosse da percepção?
e se a percepção fosse subjetiva e universal?
e se o subjetivo fosse universal?
e se o universal fosse subjetivo?
e se o subjetivo fosse universal?
e se o universal fosse subjetivo?
e se o subjetivo fosse universal?
e se o universal fosse subjetivo?
(loop do sistema: aguarde por tempo indeterminado ou reinicie o sistema).

10.12.09

e no natal tudo acontece:
na segunda-feira, foi a vez do carro da elisa ser esmagado pelo louco de trás.
na terça, troca de tiros entre meu padrasto e o bandido.
na quarta-feira, meu classmate protagoniza um sequestro relâmpago no fundão.
na quinta, um louco invade o local de trabalho da minha e furta seus dois celulares enquanto à noite chove a cantaros.
sexta-feira, o que nos aguarda?

7.12.09

eu fumo para ver a vida tragar.
e quando assim o faço, a vejo queimar.
um cigarro é como a vida, nunca é impune.
desculpe, meu senhor, mas aqui nos anais não consta nenhum tipo de solicitação de perda ou roubo ou extravio da personalidade. foi aqui mesmo que o senhor realizou a operação?
o senhor não deseja tomar um café antes de sair por aí dizendo que solicitou a perda de identidade? não acha melhor repousar um pouco? eu posso lhe mostrar todo o procedimento, o manual, o passo-a-passo deste nosso serviço completo com satisfação garantida! só que o senhor ainda não solicitou. não apertou o enter, não confirmou na tecla verde, não autorizou o débito em conta corrente.
veja senhor, temos uma curva de satisfação, perca a sua identidade já e satisfaça a necessidade daquilo que você era, ou um dia já foi. tudo por um custo mínimo: o da própria ilusão de subjetividade.
negócio fechado?
(não sei por que, mas acho que esta moça aí de cima é a Úrsula, o polvo roxo da pequena sereia)...