Poderia fazer o quê diante deste piano? Soar grave, soar agudo, ter a disciplina e a dinâmica das teclas-formigas, teclas operárias, que, sob o seu comando, orquestram o elogio a ti mesmo. Eu faria isso como estou fazendo, como faço. É que eu, como você, não resisto a uma virtuose. O que há de marcante nisso é que do virtusismo nasce a esquiva. Não me peça para ser profundo, não me peça para justificar-me, não sei, não saberia ser de outro modo. É que a esquiva alimenta a nossa virtuose. É que a esquiva nos esquiva de nós mesmos.
Essa história já está escrita. De fato, sempre narro a mesma coisa. É que não entendo, não me dou por satisfeito. O texto não está bom, a harmonia desanda, o tempo prolonga e a canção ainda não está boa, não está a sua altura, ou melhor, ainda não me deu a chave de ti.
Um Jesus, ou um simples ser doente cuja patologia principal é ser réptil, é arrastar-se pelos chãos. Ser e mover-se arrastado o tempo inteiro. Arrasto-me por você, porque sou cobra que não sabe nadar, e por isso, justamente por isso, não consigo afundar. por isso somos virtuose. movo-me sobre superfícies, e a mais preciosa dela seria você. você toca em belas teclas operárias do seu ser.
Sua pele, esta tela, meu piano amor.
Ele é piano. E eu um réptil.
Caminhamos para o bote, no tom exato.
Por esta pele, salvaguardando as virtuoses.
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