27.8.07

a gente

após dezessete anos de afastamento a vida decidiu nos unir novamente. e do modo mais sórdido: um devir-criança no cansaço dos nossos corpos envelhecidos. em outros tempos isso seria chamado de felicidade. agora, creio que estejamos estressados com a hiper-atividade das nossas emoções. muito cansaço por sentirmo-nos assim. e o fato foi esse mesmo: unimo-nos para que um suporte o outro: um apoio e um karma.
o momento foi marcado por pura imparcialidade. dizem por aí que é impossível ser imparcial e é pura mentira. encontrei com ele não fazendo a mínima questão de encontrá-lo. se estava feliz por revê-lo depois de tanto tempo responderia que não sei exatamente se aquele estado em que me encontrava era felicidade. e, sinceramente, não sei nem se era um estado. estava normal. estava como sempre. revê-lo não me apeteceu. revê-lo não foi nada. tenho certeza que foi assim com ele também. a coisa toda operou-se do mesmo modo.
oi. tudo bem. e aí. quanto tenpo. é, quanto tempo. tá esperando. não. tá indo. não. tá vindo. também não. o que está fazendo. nada e você. também nada. ali tem uma carroça de cerveja. o que você quer. vamos tomar cerveja.
retomar algo que parou há dezessete anos atrás. qual é o sentido disso? nos primeiros três segundos de conversa tudo já estava esclarecido. nenhum dos dois estava disposto a alterar em nada os comportamentos. a interlocução, se é que ela existia, permanecia a mesma. não havia alterações. o que eram então aqueles dezessete anos? o que era o tempo e a ausência? O que era re-ver alguém? rever ele significava naquele momento zapear a tevê em busca de um bom programa. rever ele era constatar que a tevê não funcionaria nunca mais, nunca apresentaria nenhum programa que preste, que ela irá desligar para sempre e sobre a tela, sobre a materialidade do televisor estarei eu, deitado no sofá, cansado, com os olhos de paisagem envelhecida, sem interesse e sem saco, querendo a paz de estar deitado desinteressadamente. ao fim, eu estaria zapeando a mim sem nada encontrar. eu estaria vendo o programa de mim mesmo, a novela do meu dia-a-dia, o encontro com ele, todas as cenas sem cortes e sem nenhuma movimentação. as cenas eram muitas mas nenhuma dava espaço a outra, nenhuma substituía a outra. não havia edição e não havia movimento. era uma televisão parada, estática, de frente ao sofá, de frente a mim sobre o sofá. que tecla seria preciso apertar agora?

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