Figurantes com sacos plásticos na cabeça. todos sentados em bancos de ônibus cariocas. bancos solitários ou duplos. eis que um homem portando uma mochila sobe, tira o dinheiro do bolso, conta o dinheiro que tem, faz o cálculo se o dinheiro que possui é suficiente para a entrada, verifica que sim, reconta, separa o que ele vai dar ao trocador, põe o restante no bolso, paga a passagem, roda a roleta, procura um lugar e senta.
ele fala:
ai que bom voltar para casa após um bom dia de trabalho. eu trabalho em um teatro, operando som de peças, repetindo as teclas play, pause e stop ininterruptamente, é disso que se trata a minha prática e a minha experiência no trabalho. E de tudo isso, posso dizer que eu tenho um verdadeiro amor ao trabalho. Ao meu trabalho, pois ele não me traz nenhuma preocupação, ele é um bom trabalho, tão bom que quando o dia acaba e finalmente largo o trabalho, esqueço dele, e lembro-me da minha satisfação de ter terminado mais um dia de trabalho. Eu honro o meu trabalho pois trabalhar é relacionar o esforço ao dinheiro. Trabalhar é puro suor recompensado com poder seletivo. eu posso escolher o que eu sou e é meu dinheiro, o meu dinheiro, que ganho com o meu trabalho, é quem me permite fazer isso. Hoje estou com grana no bolso. Sempre estarei com grana no bolso. Hoje poderia ter pego um taxi. Mas preferi pegar um ônibus e, com a diferença das passagens, comprar algo para comer mais tarde. Eu digo agora que estou satisfeito. E, em homenagem a esta sensação, eu suspiro. Ufa! Meu corpo agradece a recompensa de poder relaxar como se quer. As minhas horas de folga são moldados por mim.
entra O DELINQÜENTE. veste rouba de DELINQÜENTE. Porta uma arma. e diz:
eu vim aqui fazer surgir dinheiro. eu vim aqui para tentar observar o fenônemo de multiplicação do poder. eu vim aqui porque eu posso poder também e é isso que me importa fazer aqui. Todos presentes queiram mostrar seus pertences, mostrar quem você são e, por favor, levarei vocês todos comigo e não aceito reclamações. facilitemos as coisas, é melhor para todos. ou não é. é sim, tenho certeza, amanhã estaremos todos no mesmo lugar, na mesma rotina, isso aqui é uma rotina e afinal de contas amanhã será igual a hoje. portanto, acho que todos querem fugir da rotina e, para isso, andemos depressa. vamos logo com isso. quero tudo que vocês são.
o homem com a mochila retruca:
resolvo então acatar todo o seu discurso e ofereço-me em sacrifício a esta situação rotineira. acho e sinto que eu sou o homem da vez, sou eu quem devo me sacrificar neste dia, pois sinto meu suor latejar, e percebo dentro de mim que hoje é o dia do meu trabalho, o dia do meu esforço maior. Pois bem, faça o que já está escrito. Mata-me. (grita o homem) Mata-me de uma vez! (berra) Anda! Mata! (berra grita, grita e berra).
O DELINQUENTE: Eu rio desta sua cena, rio desta sua tentativa, eu rio largamente e durante longo tempo, eu rio sem duração desta sua piada infame. não me diga o que fazer, pois sou eu quem estou no poder. Não queira girar o jogo como você fez com a roleta ao entrar aqui, não tente nunca fazer isso, pelo menos não aqui, pois eu posso fugir pela janela do comum e você não ficará bem retratado. você será o vilão. e assim o jogo acaba. não faça isso. para quê morrer?
o homem: se quer rir, por favor, deixe que eu seja o motivo do seu riso. se é isso que sente que deseja fazer, por favor, aja! É em nome disso que enuncio! Em nome da ação! Eu quero sentir a sua ação. E isto não é uma metáfora. Por favor, atire na minha cabeça! (roga-lhe) Atire e acabe logo com isso!!! (roga-lhe).
O DELINQUENTE: ridículo. Você é ridículo, não convence em nada que faz. Peço que levante e apenas siga às minhas ordens. As minhas instruções serão as instruções de todos. É este o combinado: você tem o poder lá fora. Eu tenho poder aqui dentro. Não apele. Senão, não atiro em você. Deixo você viver como covarde, como aquele que duvidou.
o homem: Está falando tudo isso porque não é você quem acabou de sair do trabalho e sente, devido a boa remuneração que acaba de receber, sente que tem o mundo. sou eu quem tenho o mundo agora e posso escolher o que fazer. Você não entende porque eu me comporto assim? Pense então quando você sair deste lugar e encontrar outro DELINQUENTE, e você então estará no meu lugar! Se isto é rotina, por favor, mata-me. Não há mais motivo para viver.
O DELINQUENTE: Você não vê, só assiste, o risco de lá de fora aqui de dentro. esta é a nossa diferença: não sei o que eu vou encontrar enquanto você quer definir o tempo. Você quer marcar um encontro. É isso. Eu não serei o pombo correio. Não serei mensagem sua. Que cadeia mais determinista é essa que define que eu terei ou encontrarei o meu próprio DELINQUENTE? Como ousa dizer isso se nem sabe como vivo?
o homem: não sei de você e nunca pretendi saber. o que eu quero é apenas esquecer você. não apareça nunca mais na minha frente, suma da minha vista e da minha memória. por favor, seja nada para mim.
DELINQUENTE: Nada nunca poderei ser, apesar do seu jogo de eterno de manipulação do poder. o seu negócio é girar a roleta. como retirar da sua cabeça o centro?
o homem: como deslocar-me? matando-me.
DELINQUENTE: girando você. matando você para quê? por quê?
o homem: Para acabar com esta situação. Se você me mata, as coisas se explicam e tudo acaba. mais nenhum diálogo, fim.
DELINQUENTE: e quem disse que eu não sou a favor do diálogo? E se eu acreditar que o seu caminho será pelo diálogo?
o homem: o diálogo pode ser a morte.
DELINQUENTE: a morte pode ser o diálogo.
o homem: vamos acabar com isso. respeito as suas vontades. é isso que quero que você entenda. Tome todas minhas coisas.
DELINQUENTE: Não quero mais suas coisas.
o homem: por quê não?
DELINQUENTE: elas não são mais suas.
o homem: eram minhas.
DELINQUENTE: portanto não são mais minhas.
o homem : eu dou a você tudo que eu tenho.
DELINQUENTE: e eu rejeito. rejeito tudo que vier da sua vontade. sua vontade não existe.
o homem: Como é que posso falar com você então?
DELINQUENTE: dialogando.
o homem: vamos então.
DELINQUENTE: nunca iremos.
o homem: como quer então resolver esta situação?
DELINQUENTE: não quero. com quer então resolver esta situação?
o homem: obedecendo às suas ordens.
DELINQUENTE: forjando um tratado de fidelidade. você é leal a mim?
o homem: sou leal ao que deve acontecer.
DELINQUENTE: então não é a mim que você se submete, ao contrário do que eu exijo.
o homem: por favor, meu amigo, o tempo é curto. vamos acabar logo com isso. se não quer me matar, pelo menos me solta.
o homem: Não vejo nenhum instrumento que te prenda.
DELINQUENTE: Você está no poder!
o homem: você está no poder!!! Por favor, peço que ande.
DELIQUENTE: Qual seria o motivo da pressa?
o homem: EU PRECISO TRABALHAR! EU PRECISO PAGAR A CONTA DE LUZ, A CONTA DE GÁS, A CONTA DE TELEFONE, O PLANO DE SAÚDE, O ALUGUEL DO APARTAMENTO, A CONTA DE ÁGUA, EU PRECISO COMER, EU PRECISO DORMIR. Por favor, não leve a mal. Resolva a situação. O poder é todo seu.
DELIQUENTE: Preciso de uma pausa.
o homen: para...
DELIQUENTE: poder respirar e pensar no que fazer.
o homem: meu ponto se aproxima.
DELINQUENTE: e daí?
o homem: preciso que você decida.
DELINQUENTE: o quê?
o homem: o que você vai fazer! Por Deus! Não demore!
DELINQUENTE: Foi por isso que pedi uma pausa.
o homem: Para quê?
DELINQUENTE: Para pensar no que fazer.
o homem: Mas não temos tempo! Você precisa decidir agora! Neste momento! Ou então eu...
DELINQUENTE: eu...
o homem: eu atiro uma bala na sua cabeça.
O DELINQUENTE entrega a arma na mão do homem.
DELINQUENTE: agora sim. agora não estamos mais perdendo o tempo.
o homem: eu...
DELINQUENTE: eu...
o homem: eu...
DELINQUENTE: eu...
o homem: eu...
luz cai em resistência. tiro. fim.
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