20.4.08

o inseto e seta

inoportuno. tento matar o mosquito com a seta do mouse. como ele poderia cruzar o meu caminho? de resto, não consigo, porém, não me frusto. sei que mosquito só anda sobre a superfície e que a seta que direciono não é atingida nem de perto, nem de muito perto, por este inseto invasor. está certo que julgo inatingível todo esse aparente poder de direção. não posso matar o mosquito apenas movendo o mouse, mas farei o quê? deixarei a seta correr solta sobre a minha tela para tentar fechar o cerco das andanças deste estúpido animal? por este momento, verifico que se fecho o cerco contra ele, fecho o meu cerco e perco todo senso de direção. quero dizer, a seta passa a apontar para onde eu não gostaria que ela apontasse enquanto que o mosquito seria liquidado num gesto de minha mão. seria um lucro para mim, um bom negócio, trocar a suavidade do meu mouse pela brutalidade da mão sobre o mosquito? sei que a tela nos separa mas porque então ele insiste em se relacionar com a minha seta? por mais que haja separação, por mais que meu cérebro admita isso, meu olho não. o mosquito acompanha a seta do mouse e, com isso, obstrui minha visão. eu não vejo a minha seta pois vejo um inseto. e deste fato, poderia ainda me lembrar daquela máxima que diz que o espectador não reclama a paixão, mas simplesmente a imagem dela. ou, em outras palavras, o que importa para o olho não é ser mas parecer. ou ainda, o efeito que no olho produz, a ilusão. meu olho se ilude quando vê o atrevido inseto pousado na seta. meu olho também se ilude quando não vê o inseto e se identifica com a seta. meu olho se ilude quando mata o inseto e deixa livre a seta? ou quando ignora o inseto e mantém as rédeas da seta?
neste momento, preciso parar para tentar compreender a diferença entre o inseto e seta. uma diferença de gênero, um ele e um ela. uma diferença inicial, já que o inseto cerca a seta. ela então se vê envolvida por ele, mas não completamente. se o inseto tem em si a seta, a seta, por fim, se desvencilha do inseto, tornando-se ela mesma uma ela. a seta não é o inseto. e o inseto não é seta. isso é verdade. mas não posso deixar de concluir que do inseto deriva a seta. e da seta origina-se o inseto. e sem inseto, não tem seta, bem como na ausência de seta, não há inseto. e tenho dito.

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