acho que consegui esgotar todas as possibilidades de te ver. não foi ontem no show, não foi hoje na universidade, não foi no mês passado no carnaval, não será amanhã na Lagoa, acho que nunca mais será. De fato, não sei como isso tudo começou: como consegui pensar que algum dia eu o veria? Como imaginei que teria acesso a você? Pensando factualmente, foram dois momentos. Apenas. E lembro de algo que deve fazer todo o sentido agora. Lembro de estar andando na orla da praia, bem de manhã cedo, e de te ver sentado, longe, bem longe, tocando um violão para outras duas pessoas, embebido em uma conversa que não me participava, não me dizia respeito (talvez eu pairasse no ar?). Lembro de ter visto aquilo e, sem bem entender, subi em uma pedra bem alta para contemplar não só o mar, mas principalmente o ar. sei que o ar é longo, grande e volumoso. o ar, na realidade, é o meio que nos une e separa. pelo ar te vi, pelo ar te ouvi, pelo ar te amei, pelo ar te desejo, é pelo ar que te procuro e é a partir dele que acho que vou te encontrar. Só que ele é barreira. O ar é labirinto, fluo nele não ao seu encontro, mas de encontro a ele. Choco-me a ele e nem sei mais. Choco-me nele diariamente a cada respiração. O que é difícil de engolir é justamente o ar. Aquilo que entra, sem que eu perceba, e se interioriza. Aquela imagem, o ar, e você. Como me livrar de todos? Como matar todo esse ar que você me dá? Como tornar tudo vácuo?
Seu ar, meu destino.
Corresponde, a cada expiração sua, uma inspiração minha.
Você ouve minha máquina respiratória? A minha é dependente, para sempre. Mesmo que algo morra, mesmo que seu corpo definhe, ele irá para sempre em mim respirar. Serão os vestígios, aqueles fluidos e substâncias resultantes dos seus processos biológicos-alquímicos que irão durante todo o tempo ritmar as frequências, as batidas, as lufadas, as brisas e as pressões do meu am-ar.
Esgotar será, com isso, retornar ao início, à memória daquele primeiro ar. Esgotar será um vazio, o vácuo que deseja, que exige o ar. Esgotar é então a certeza do encontro, da respiração conjunta que, por puro excesso, irá nos matar.
Você é bomba. Aceite-me como força motriz do seu funcionamento.
E sou apêndice, funciono apenas em relação a você. Sou oração subordinada. Sou vácuo ordinário que procura sempre o seu soprar. Onde soprará? Amanhã talvez será.
1 comentário:
a impressão de que quanto mais se respira, menos se tem.
ui.
entendi.
Enviar um comentário