o grande dia, o dia do acontecimento espetacular: o roubo.
por volta de uma e meia da manhã peguei o ônibus cincooitoquatrocosmevelholeblon pela pinheiro pois estava saindo do baixo gávea para botafogo. subi no ônibus que estaria totalmente vazio se não estivessem presentes o motorista, a trocadora e um outro sujeito negro com a camisa do fluminense sentado no banco alto do lado esquerno, aquele banco-trono que fica na altura da porta de saída. sentei-me então exatamente entre o sujeito e a trocadora, nem um banco antes nem um banco depois, no meio. abri a janela, fechei a janela. com o som externo abafado, consegui ouvi melhor o que o sujeito cantava. o sujeito cantava raps, cujas palavras e expressões mencionadas incluiam fuzil, 'te abraça, te beija e depois te mata', ladrão, entre outras. o rap, por ser um discurso cantado, permite que quem cante, cante-fale. acredito que o sujeito estava cantando-falando só para mim. e o que ele falava não era bom: juntei todas aquelas partes de rap e concluí que seria roubado. então, fiquei completamente tenso e não ousei virar para trás. comecei então a pensar em sair do ônibus na altura da casa da minha mãe, já que tudo ali estava aberto e povoado. não fiz. dois pontos antes do meu, o homem então levantou-se e desceu. não fui roubado. enganei-me. respirei aliviado, gesto meu que a trocadora fotografou imediatamente, me olhando de um modo curioso. pensei comigo que estaria ficando muito paranóico ou preconceituoso que até a trocadora havia notado. desci então do ônibus e andei feliz pela rua. a rua também estaria vazia, se não houvesse dois jovens entrando em um fusca vermelho e um casal conversando diante de uma clínica de portão verde. pensei comigo, estou seguro. eis que me aproximo da esquina e vejo dois homens de rua, negros. o primeiro envolto em um grande lençol branco e o outro encolhido debaixo de uma camiseta longa preta, com uma mão colada ao corpo e a outra carregando um caixa de engraxate. este então atravessou a rua, para o meu lado da calçada, e fomos andando rumo ao encontro. enquanto o outro acompanhava o nosso ritmo na outra calçada, eu passei pelo pivete, ele então virou-se para mim, passando a acompanhar-me rente ao meu corpo os meus passos e disse repetidas vezes criando uma atmosfera completamente tensa e árida: não faz nada, me dá o aparelho. enquanto andava, abri a bolsa, retirei o 'aparelho' e lhe dei. estava na esquina de casa, a cinquenta metros da portaria.
o mais incrível, corri para cá. a primeira coisa que fiz foi lançar-me no blog, como um consolo, como uma orelha que me deseja escutar.
confesso ou relato? não sei bem ao certo. estou roubado, menos um aparelho na minha vida, mais dinheiro para gastar. a vida é assim, pura economia. um instante você é paga, no outro você ganha. roubei a mim mesmo, transformando tudo isso em massa de texto. fiz um rocambole. este texto tem recheio. recheio roubado.
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