2.10.07

T - Erra

assistindo Terra, espetáculo de Zé Celso que abre a sua encenação partida em cinco sobre Os sertões de Euclides da Cunha, um aspecto que me chamou mais atenção foi o modo como se dá o confronto entre atores e público. No primeiro momento do espetáculo, quando há uma separação nítida entre estas duas esferas, entre o dentro e o fora, as grades fechadas que delimitam e fecham os acessos, essas mesmas grades que também possibilitam a comunicação entre o ator e o espectador, a um gesto de Zé Celso (ele chama o público com as mãos), os observadores aglutinam-se contra as grades, forçando o contato corporal com os integrantes do Oficina. No momento seguinte, as grades são abertas e aquilo que separava o dentro do fora, o público do palco, cede, criando uma passagem entre corpos. Os atores vão ao público que foi à eles. Eles se cruzam e indiferenciam-se. Logo após, aparece do outro lado da rua, do que um dia já foi considerado fora, uma fila, todos os atores parados frontalmente diante da pláteia novamente. Lentamente, eles dirigem-se ao espectadores corporalmente, avançam sobre eles que, por resposta imediata, re-avançam em todas as direções. Todos entram e tal passagem, ou atravessamento, constitui um diálogo intersubjetivo singular, puramente corpóreo. A relação entre indivíduos se dá pelo corpo-diante-do-corpo: público em frente ao público, atores diante de atores, público em frente a atores, numa conversa concreta, material, fruto do embate corporal. Há momentos corpóreos de decisão, quando se deve escolher entre deixar, ou não, o seu corpo perder o limite no corpo do outro.
O espetáculo é recheado de palavra. A palavra, como som, como canção em que o sentido textual se dilui completamente no aspecto vocal e material do corpo-voz. A cor é outra que mostra o seu corpo, o corpo da cor (título da última exposição londrina da obra de helio oiticica). E não é à toa que h.o. aparece agora. A fauna e a flora são representadas por homens que dançam vestidos de farrapos coloridos, cena que remete aos parangolés. Os imensos tecidos coloridos que se torcem, se cruzam, se abrem, se fecham, se esgarçam e se relaxam, fazem dançar a cor-toda-corpo.
A terra, o sertão, o deserto, o são francisco, a fauna, a flora, o fogo, a rua de canudos, todos são corpos humanos. Tudo provém e se dirige ao homem e seu corpo. O formato humano que tudo representa cria uma espécie de humanismo brasileiro, uma espécie de valorização da condição ambigua do homem-brasil: aquele que constrói é o mesmo que destrói. O homem mata e morre e o meio encontrado para tais operações é o próprio corpo deste mesmo homem. Essa gente transita, cruza, atravessa. A gênese e a destruição. A entrada e a saída de cena. Quando surgem a água, o cajado, o antonio, o homem, a terra, a república, tudo enfim. Tudo ao entrar em cena, nasce. E quando a cena é deixada, tudo morre. Tudo passa, tudo passará. Terra, quem jamais te esqueceria.

Ps.: Haveria ainda o que se falar: a ênfase no belo. Belos homens, belas mulheres, belas cenas cantadas num tom de desejo. Uma pergunta que se solta agora é: onde está o lugar do grotesco neste espetáculo, especificamente. Fica para depois.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tudo enfim, nasce e desde que nasce não termina nunca mais, se tranforma eternamente; esta a responsabilidade pela creação. Assim, nada passa, tudo não passará porque jamais te esqueceria.O belo dos homens e o belo das mulheres, o belo das cenas formam um só conjunto unitário condensado na sibiose empática dos personagens e do público. Zé Celso promove esta conexão entre os atores e o público ator assistido pelos atores.è o desejo simplesmente aflorando em riquezas que eu nem sabia que poderiam sair do Zé e sua trup.Não fica nada pra depois, só as lembranças eternizadas pelo contato real entre aqueles todos malucos que ficam à expreita só alegrias.