18.1.08

choro

aquilo que me causa mais pavor é olhar para aqueles individuos mais conhecidos e perceber a velhice trazida pela falta de grana. nada que aparece, miséria que toma rostos, olhos, mãos, estados e corpos. eu já não posso mais com toda esta pobreza de grana que elabora todo um mundo espiritual caindo aos pedaços, todo fragmento ruim de ser, que nada transpira, que nada suspira, que nada traz, que nada assassina.
tô de saco cheio de ter que corresponder. tô com pé no saco de ter que fazer coisas, apresentar soluções, malditas soluções, para o tédio dos minutos, para a aflição das horas, para a angústia dos dias. sinto que estou totalmente contrariado, pois o que é mesmo para ser (e que não está sendo) seria justamente a situação perfeita: andar de bicicleta para sempre, sem parar em nenhum estação, sem parar para falar com ninguém, vivendo só no adeus, ouvindo pouco os sons passarem, ouvindo pouco pois estaria escutando muito o meu som, o meu barulho do meu corpo tornado máquina.
queria sempre dar adeus.
e não suporto ter que crescer, olhar para os reflexos do mundo e me ver. não suporto me enxergar e mais: não suporto não conseguir me enxergar. olho para mim e não sei o que desejo. todo despertar é o mesmo desespero de ter de se arrepender por tudo que foi feito no dia anterior. todo despertar é uma tomada de consciência sendo este ato, na realidade, um pedido de perdão.
não aguento mais dever. não aguento mais faltar grana. isso me torna tão amargo. passo a comparar tudo e passo a querer não viver neste lugar que ocupo. isso é grave e preocupante. talvez seja um problema de família.
a minha vontade hoje é de chorar copiosamente. e, no entanto, engulo tudo.
o meu desejo agora seria o de quebrar com o nada que tenho para estar literalmente na merda. não consigo. não sei dizer porque. eu preciso esperar. ou melhor. eu preciso começar a pensar em meios de paralisar os movimentos enlouquecidos das minhas patinhas no ar. estou assim: samsa, de casco no chão. não estou conseguindo me virar. os passos são todos à toa e, todos, no ar. e isso não é tentativa de vôo. não tenho asas. tenho patas que gastam a minha energia a toa, se chocando contra o vento.
o que tenho a concluir é que não fui feito para isso tudo. sou operário. é isso. quero retornar a minha classe baixa. quero ser para sempre proletariado. quero ser assalariado.
pois nunca e jamais minha mente vai revelar o seu verdadeiro preço. donde se conclui que eu devo esquecê-la e substituí-la por problemas reais.
donde concluo que estou drasticamente feliz por nada dar certo na minha vida. e desejo que, nos próximos anos, tudo piore, fracasse que eu cada vez mais me torne pobre, sem condições de entender nada, tendo apenas um único e bizarro trabalho que me justifique e me dê condições mínimas de viver: quero não querer nada. quero poder não conhecer nada. quero tentar me acomodar no eu-nada.

2 comentários:

Anónimo disse...

Isso que você escreveu foi muito forte. Bateu em mim.

Anónimo disse...

bachhh, te acompanho faz mais de ano e o choro te é contumaz.
aquilo que causa maior tesão é ver aqueles individuos mais conhecidos e perceber a maturidade trazida pela criação fruto das necessidades. é tudo tão rico que aparece inclusive na miséria e na riqueza que toma rostos olhos mãos estados e corpos. bonito ver todo um mundo espiritual caindo aos pedaços, e sendo continuadamente reconstruido transpirando, suspirando, se correspondendo - não há outra solução para o tédio dos minutos, para a aflição das horas, para a angústia dos dias do que se envolver com a vida.
se alienar andando de bicicleta, sem parar em nenhuma estação é condenar-se ao cansaso ou ao fascínio de perceber o caminho eterno inexorável. parar para falar com ninguém, vivendo só no adeus, ouvindo pouco os sons passarem, ouvindo pouco pois estaria escutando muito o próprio som, o barulho do corpo tornado máquina é usar o tempo em vão posto que sem registros e ou lembranças.
crescer, olhar para os reflexos do mundo e se ver, tudo isso é fruto do acúmulo de registros quando vai dar pra selecionar e esquecer uma parte e deixando o que sobra chamado depois de sabedoria.
pare de chorar pq no fundo do mar o no alto do firmamento o excesso de água turba a visão. misture-se com as águas e deixe secar.
patinhas no ar não passam de manifestações poéticas da birra daquele bipolar temporal, que não se permite ver crescer mas padece das patologias do crescimento - gastando energia a toa, se chocando contra o vento.
você não foi feito para isso tudo desse jeito; veio a trabalho e não a passeio. problemas reais...
querer não querer nada, não conhecer nada e tentar se acomodar no eu-nada é viver em maia, na fantasia do tipo patologia. tem tanto mais além disso, além, além, além ...
INTÉ