6.2.08

eric

aquilo de que posso perfeitamente falar. do meu suicídio. do meu último. com a tesoura na mão esquerda, tratei de posicionar meu corpo como se fosse vomitar perante a privada. por falta de coragem, por não ser homem o suficiente, por não conseguir gozar de uma pretensa imortalidade, eu fui. matei-me aos cortes de cabelo, cortei todas as mechas em todas as direções, podei-me de tal modo que hoje não possuo mais nada além de cotocos, de raízes, de breves fios que apontam para um futuro, de algo que alguém vê e pensa no amanhã crescido. quis encher-me de futuro, de um talvez que afastaria todo o vazio do agora, do diante, do em frente, do perante, do assim, do agora, do já. cortei tudo. cortei já, perante, diante, e sem saber de nada. não vi o que eu estava cortando, não quis saber meu próprio procedimento, apaguei os meus olhos, destinei a eles apenas a surpresa do que será, como estarei eu cortado por mim, matando-me a mim, não sendo mais aquele traidor que traiu a mim no momento antes de cortar o meu próprio cabelo? dei com a tesoura na nuca, não fiz ferimento por não ser tão louco, tão arredio, mas cortei a nuca, fiz ela aparecer como nunca, como corte breve que aparece, fiz o cabelo sumir e, ao longo das tesouradas, apertava a descarga e pensava: só assim eu não pego piolho. tudo isso tem um motivo, tudo isso tem um nome. um nome de homem francês, um francês todo metido a francês, um francês que sempre diz que é francês, um francês que diz sempre que lembrará de mim sempre e eu sempre digo a este francês que tudo que ele diz é mentira. tudo isso é ele. é o eric que se chama é-rrrííí-que, que não sabe nada por não querer saber, por querer sempre estar em um estado flutuante, entre o sono e a realidade, um eric que não acorda e não dorme, um eric que vive ali, andando no limite sem no entanto viver no limite. eu disse a ele, meu povo. eu disse. eu disse que eu o odiava. o odiava por tudo que havia feito. ou melhor, por tudo que eric não havia feito, por tudo que ele havia negado, ou melhor por tudo que ele havia proporcionado apenas pelas palavras toscas. as palavras trocadas. moedas esdruxulas. moedas que valem menos que qualquer moeda que não vale nada e que poderiam valer algo se eu acreditasse que tudo aquilo provinha da fonte do amor. não acredito. ele é tão inocente a ponto de achar que o mundo é paz. eu digo que eu o odeio e cometo o suicídio para ver se ele enxerga como nós dois devemos nos portar. ele de nada entende do amor, apesar de falar em nome dele, dos dois, do amor e dele mesmo. o que ele não entende é justamente o português. ele não entende isso. ele só entende francês. ele nunca vai entender isso. ele nunca vai entender a minha nuca. e não sei se devo comemorar por isso. pois de fato ele é um idiota. idiota por ser um cínico. cínico por ser um sonso. sonso por ser simpático. simpático por ser ingênuo. ingênuo por ser lindo. lindo por ser grande. grande por ser desengonçado. desengonçado por ser ritmo. ritmo por ser erre. erre por ser francês. francês por ser erro. erro por ser eu. eu por ser ele. ele por ser eu. ele sabe de tudo. sabe de todo o amor do mundo. ele tem todo o amor do mundo. já eu não posso dizer o mesmo, já que o odeio para sempre. não gosto dele. não possuo o senso de humor dele. ele brinca comigo. e eu odeio isso. odeio quem faz isso. odeio quem me faz cortar o cabelo como quem vai vomitar. joguei fora tudo meu que não era dele. joguei na água tudo que erra em mim, deixando apenas tudo que erra dele em mim por causa dele. o que restou foi isso que se lê. o que restou foi justamente o resto dele. preciso catar-me em mechas. preciso recompor-me em cacos. preciso juntar-me para caber em uma pequena mala que ele levará sempre como um mero souvenir. sou isso. dele e sou eu. sou eu e dele, sempre isso. sou assim. sem cabelos. sem nada que me impeça, a não ser a paralisia dos próprios orgãos de quando estão contemplando o sorriso dele em pleno estádio de futebol vazio e cheio de sorriso dele, óbvio, que tudo é dele.
o que posso dizer, jesus? que jesus não é nada perto de é-rrrííí--que. é isso. é rí. é riso. é ri quieto. é ri perto. eric. nada como um final brega para um sentimento da madrugada que atravessa. eric.

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