7.2.08

o queixo de rosangela.

eu precisaria ainda de mais aproximadamente novecentos dias para tentar consertar tudo. assim, eu conseguiria estar dentro dos prazos e corresponderia aos pedidos e demandas de todas as vozes que de diversos modos habitam o meu telefone celular.
o nome dela hoje será: rosangela.
acorda, faz chá e dorme. acorda, faz molho de tomate e dorme.
acorda, mexe no queixo. seu queixo.
quando rosangela era uma pequena menina, todos admiravam o seu queixo. a garota até que gostava de ter todos os olhares centrados para o seu rosto, mas, do mesmo modo como gostava, se irritava de os olhares não cruzarem o seu. todos eram para o queixo, nenhum para seus olhos. a coisa toda piorava quando rosangela pensava que nunca poderia ver o seu queixo do modo como as pessoas o viam. ela poderia contemplá-lo parcialmente diante do espelho, mas era pouco. não conseguia vê-lo direito: na medida em que levantava o queixo para ver melhor, seu campo de visão tornava-se menor. este era o dilema.
só que rosangela não vivia em outros tempos mas no agora. e era de uma família de posses. rosangela então decidiu se atualizar, comprando uma imensa aparelhagem midiática: uma camera acoplada a um belo computador, equipamento que lhe permitiria ver seu queixo por inteiro, ver como todos os outros o viam.
Marcou o dia: produziu tudo. Quis fazer como se fosse verdade. Instalou um tripé na altura do queixo, a uma distancia média de modo que pudesse cruzar pela camera. rosangela então dispos-se a andar diante da camera, de um lado para o outro. fez isso até cansar.
o próximo passo seria o de acoplar a camera ao computador. não quis se ver em tela pequena. de modo que ainda comprou um bom projetor. e projetou-se. rosangela, em seu próprio quarto, diante da projeção de si mesma, via passar seu queixo de modos variados e ritmos diferenciados. rosangela sorriu. percebeu que seu queixo era realmente um dom. Dali em diante, rosangela passou a ver a sua projeção diariamente. e não muito tempo depois notou algo estranho na sua parte corporal perfeita. notou um pêlo que nascia bem no meio da curva perfeita de seu queixo. rosangela desesperou-se. chorou copiosamente por dias, sem saber o que fazer. o desespero de rosangela, no entanto, só fez tudo piorar. enquanto preocupava-se com o seu próprio choro, nasceram mais pelos sobre o queixo. rosangela agora tinha uma pequena barbichinha. ela então não perdeu mais tempo. arrancou os pelos, um por um. no último fio, ela percebeu que não conseguia arrancar. puxou, puxou, puxou e nada.
desesperada, rosangela puxou com tanta força que seu queixo saiu em sua mão. seu sangue começou a jorrar por todo o quarto, tomando todos os móveis. o sangue de rosangela não parava e o quarto começou a alagar. rosangela então começou a chorar, aumentando ainda mais o volume de liquido. seu queixo estava em suas mãos e ela então tentou salvá-lo filmando-o pela última vez com sua camera. ao ligar o aparelho, aconteceu o pior. um choque elétrico fenomenal tomou conta de todo o lugar. o queixo transformou-se em empadinha e rosangela não mais viveu. história triste de rosangela que fica aqui como exemplo para os que ainda vão nascer.

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