24.2.08

myrian

era segunda-feira à noite e myrian não sabia o que queria, sabia apenas de tudo que ela já estava cheia. o que excedia em myrian naquela noite de segunda-feira era alcool, misturas de vodka com suco de laranja, suco de limão, chá-mate e tudo o mais. Isso ela sabia, ao menos, ela sentia, ou melhor, disso ela não sabia, o que estava claro para ela é que nada estava certo, tudo cambaleava, o mundo era como deveria ser: quando ela, myrian nada entendia, mas não ligava, bebia, bebia, certamente tudo via, tudo participava, falava sobre tudo e com todos, mas myrian não estava, myrian, em corpo presente, dançava sobre si.
a justificativa para a bebida não é outra senão aquela de sempre: precisava ter certeza de alguma coisa. e, naqueles momentos noturnos, myrian tinha plena certeza que bebia, pois seu corpo indicava, a cada gole, que a mente vociferava sensações que a própria mente desconhecia. isto é, myrian bebia e, a partir de certo momento, se ampliava. bebia para não ter motivos. bebia para não ter justificativas. bebia porque quando bebia, sorrisos, lágrimas, desprezos, ironias, tudo lhe atravessava de modo tão radical que tinha plena certeza que todos os impulsos não provinham de si, nem de nada, nem de ninguém. e era isso que myrian fazia: bebia para ver o seu circo pegar fogo. prezava uma única consequência: não saber de si. as outras, anulava todas.
nesta noite myrian está toda borrada. nesta noite myrian chora e sorri, sem saber os motivos de um gesto e de outro e da passagem de um a outro. nesta noite myrian não sabe que é myrian. myrian, com o copo na mão, esqueceu de si. myrian é alguém que cruza com a noite. perdida entre todos os vultos e lugares vazios que a cercam, myrian interrompe um espectro e lhe diz: eu só quero me divertir. myrian borrada chora. preciso esquecer desta noite. preciso ter algum lugar para ir. por favor, me guia, por favor me leva para onde você está indo. mas myrian não sabe que vive em vídeo. o interlocutor some num giro da camera e myrian está novamente sambando sobre si e sozinha. eis que ela decide se assumir: inicia-se um tremendo samba-enredo e myrian só faz cair, desequílibrio pleno de dar inveja a todas as mulatas americanas. myrian dança sobre si sem conseguir saber se, de fato, está sambando ou é sambada. myrian borra ainda mais, pois sua água constituinte trata de fugir, quer sair dali rapidamente, água que se sente confinada e exige libertação-evaporação. ela então vai em direção ao balcão do bar mais próximo e obriga o garçom a lhe conceder mais uma dose. o pagamento não foi o corpo, mas o olhar opaco que hipnotizou o moço. diante do desconhecido e irreconhecível, o garçom fez o que achava que devia: espantou o perigo. vai com este copo de vodka para lá, myrian! ela bebe tentando repor a água fugidia. e chora e berra e seu corpo decide se chocar, seu corpo bate em myrian, castigando aquela mulher por não ter peito o suficiente para carregá-lo sempre. o corpo de myrian exige que ela o carregue para sempre. só que myrian não quer. ela quis se livrar dele e por isso está nesta segunda a noite nesta situação. seu corpo não aceita suas atitudes e desfere nela um golpe mortal. desembainha uma longa espada medieval e rasga-lhe a bebedeira.
black out.
uma janela. myrian contempla a vista da janela. olha para a imensa floresta diante de si. respira fundo sob uma luz amarelada. é noite novamente. myrian está calma. até que começa a chover. e myrian alaga.

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