11.3.08

alguém porém de início complicou a vida que poderia ter se tornado um inferno. era como se a cada passo que ele desse, o próprio passo já tivesse sido dado. algo como um eterno atraso no seu caminhar. alguém sempre estava adiante, alguém sempre se encontrava no futuro, já havia decidido por ele tudo pelo qual ele passava agora e ele, depois de muitos impetos e acelerações, ele percebeu que nada poderia fazer pois jamais conseguiria alcançar o alguém adiante. alguém vinha primeiro. ele então era o segundo.
meditando um pouco mais sobre seus sentimentos e conflitos existenciais, observa-se ainda que a sua crise é de autoria. não considerava ser dono de si. delegava esta responsabilidade a um segundo ser que ele nem mesmo saberia definir, localizar, interagir, dialogar. alguém que surgia era um tirano que por ele decidia.
consequência direta desta causa misteriosa é o fato de ele nunca produzir pegadas, apenas descobri-las. não deixava rastros, os perseguia.
percebeu a lógica de sua vida na adolescência, quando começou a se drogar. as manhãs que sucediam as noitadas embebidas de alcool e ervas eram sempre uma pergunta, na tentativa de se localizar. nos dias seguintes, despertava sem saber como ali tinha ido parar. acordava estranhando tudo, inclusive o próprio sono pesado e mortífero induzido pelas substâncias alucinógenas. após certo período de tempo ele então optou por deixar de acordar sem saber: não queria mais passar as manhãs tentando reconstituir as situações ocorridas poucas horas atrás. escolheu, ao invés disso, uma certa continuidade, uma coerência de dormir-acordar mais cômoda e focalizada.
foi então que observou que as manhãs não guardavam as noites anteriores. após acabar com seus vícios mais evidentes, percebeu que a angústia proveniente das tentativas de se localizar no presente, localização que necessitava de uma conexão segura com o passado, não desapareceram por completo. ou melhor, elas se renovaram.
quando pensava em sua infância, via diante de si um mundo condicionado pela vontade de seus pais. porém, não percebia o mundo em que vivia... não é bem isso... ele não se angustiava naquele mundo fabricado por seus pais, mas o aceitava de pronto e plenamente o vivia, como seu, como de todos. o mundo de outros era o seu caminhar, o seu redor. ele vivia a partir dos outros. e neste mundo fabricado por alguém, ele criava o seu próprio subvertido universo de existência a todo vapor. na adolescência os pais se transformaram em drogas, cedendo lugar a elas.
e na maturidade havia uma ausência de imposição, ausência esta tão impositora que ele mesmo não tinha coragem de acreditar em sua presença. ele gostaria de escrever a sua própria história, porém em primeiro lugar nunca a formulara antes, fato que o impediria de saber como contá-la a si. não conseguiria mais acreditar em rédeas nas mãos, pois não as sentia entre seus dedos. ele era enredado, criado, produzido, imaginado, fato que o revoltava, revolta não muito transgressora pois tinha consciência de que aquele comportamento também era fruto não de si, mas de outro.
(continua...)

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